É largo o espectro de jovens produtores que na última temporada têm esticado as fronteiras estéticas da electrónica a lugares exóticos, inusitados ou ainda a cobrar uma merecida definição. Muitos deles escandalosamente novos e sem quaisquer reservas perante movimentos de real experimentação e genuíno risco. Aos vinte e um anos, e na ressaca de um verão quente de 2013, o norte-americano Brian Leeds concebeu um magnífico conjunto de peças sonoras que desde logo o demarcou dos demais. ‘Colonial Patterns’ dissecou a cultura rave com o olho e o coração dos bravos, levando o que sobrou dessa meticulosa operação a um cenário entre o distópico e o onírico. O que ali se escutava, pela primeira vez, seria como uma memória distante e diluída de uma herança em redor da música de dança. Techno a meio gás, infusões dub em registo sépia ou orquestração de micro-ruídos alinhavam-se numa linguagem profundamente bastarda, sem quaisquer compromissos com a cartilha e com realidade. Ainda nos dias de hoje regressar a essa maravilhosa colónia de endorfinas é um usufruto garantido – e com poucos, muito poucos, paralelos. Para além disso, expunha a história vergonhosa do genocídio nativo-americano perante um prisma subtil, mas impossível de passar despercebido.
Não haveria melhor mão amiga senão a de Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never), através da sua Sotware Recordings, para resgatar as composições de quarto e a meia luz de Huerco S. Escusado será afirmar que se tratou de uma aposta de ouro. Entre os universos de ambos, existem de facto diversos pontos em comum e uma óbvia partilha de visão. Visão essa que naturalmente se torna num modo de expressão e, em última estância, num género musical quase próprio – ainda que as devidas reminiscências em redor das gravações histórias da Golf Channel. A geometria abstracta de ‘Colonial Patterns’ abriu caminho a muitos clubes europeus à sua espera do outro lado do Atlântico. Com eles, uma progressiva legião de seguidores que já então viam nos génios de Burial, Actress, Hieroglyphic Being ou Shackleton xamãs inquestionáveis para a nova música de dança do século XXI – e estavam certos, o tempo deu-lhes a devida razão.
Três anos volvidos desse marco, Huerco S. regressa. Seria ingénuo imaginar que seguiria o trilho, ainda que por si formado. ‘For Those Of You Who Have Never (And Also Those Who Have)’ não é apenas um título fenomenal como é um compêndio de meditação pós-trashy como quem busca algum vestígio de vegetação por debaixo de um bloco de cimento. Rodeado dessa atmosfera soturna urbana, a toada ambiental de cada momento é uma névoa cujos segredos se revelam proporcionalmente com a dose atenção e curiosidade depositadas. Suprimida praticamente toda a intenção do surgimento de um ritmo ou batida durante a sua escuta, este é o alcance de um novo estado da sua música. Um regresso à terra e aos oceanos; no fundo, ao cariz primitivo das coisas. As pistas são dadas pela brisa quente de melodias desviantes cuja dimensão se alimenta de camadas sobrepostas, contaminações ritualistas e evaporizações fantásticas. O grão das imagens parece mais concreto que nunca e o pulsar que continua a imanar (mesmo depois do terminar) desta coleção é uma relíquia há muito desejada.
Se criadores como Ben Frost ou Autechre são reconhecidos portadores do que se encontra para lá do terrestre, com apenas dois gigantescos exercícios, Huerco S. encontra-se no bom caminho de entrar nesse panteão. Uma noite assombrosa e absolutamente obrigatória. NA