Não há na cena musical europeia muitas bandas como os Zu. Desde 1999, quando se formaram na capital italiana, já construíram uma discografia de vinte títulos e colaboraram com uma ampla galeria de músicos. A lista é respeitadíssima e inclui gente do jazz (Jeb Bishop Mats Gustafsson, Fred Lonberg-Holm), do rock (Buzz Osbourne) ou de territórios menos mapeáveis (Nobukazu Takemura, Eugene Chadbourne). A cumplicidade com os outros é um dos traços deste trio, sempre receptivo a ideias que provenham do mesmo universo musical. Sublinhe-se: a história dos Zu sempre se fez assim, no entusiasmo da apropriação, na alegria da troca, sem pôr em causa a fidelidade a um lugar indefinível mas real. Aquele em que o jazz se aliou ao libertando as forças do noise-rock.
Essa é a filiação de Luca Mai (saxofone barítono) e Massimo Pupillo (baixo), agora acompanhados por Gabe Serbian, que já tocou com os The Locust, Holy Mollar e Alec Empire. O que fazem e dão a ouvir continua a ser a mesma mistura orgânica, densa e pujante que impressionou John Zorn e Mike Patton e que revelou, implacável, todas as partes que a constituem em Cortar Todos (lançado em 2015).
É o disco mais metálico dos ZU, em que o trio vai buscar inspiração ao rock dos High On Fire ou dos Sleep, sem apagar o groove jazzístico ou submergir a presença do baixo. E é também aquele onde se descerra a toda a capacidade de invenção da banda. Ouçam “Rudra Dances Over Burning Rome”: arranca num ritmo trepidante, guiado pelo baixo e o saxofone, mas logo se contrai num break violento, antes de nova aceleração que culminará num desfecho quase silencioso. “Cortar Todo” é exemplar de um virtuosismo que contagia, em uníssimo, os três músicos. Os instrumentos erigem um bloco sonoro que vai cedendo à força da bateria, transformando-se numboogie-jazz-rock musculado sob o estremecimento do sopro. Embora amantes de uma profusão de sonoridades, os Zu não desdenham a importâncias dos contornos e das formas. Reparem em “A Sky Burial”, encarnação delirante dos Morphine se estes apreciassem o free-jazz e o metal mais extremo. Ou “Orbital Equilibria” a insuflar o math-rock de uma agilidade pouco habitual ou, ainda “Conflict Acceleration”, sentido e feliz tributo ao noise de Providence, Rhode Island.
Os Zu não se afundam nesta miríade de estilos, sonoridades, modelos, formas que absorvem. Alimentam-se da sua abundância, criando um lugar que, sobre as afinidades inquebráveis entre o jazz e o rock, se constrói autónomo e poderoso. Como se diz hoje, “brutal”, não bruto: assim nos segreda esse grande tema que é “Pantokrator”. Aguardem-no neste concerto, ao lado de outro espasmos desta banda que veio de Roma. JM