ZDB

Artes Visuais
Exposições

A Exposição da ZDB

— curadoria Marta Mestre e Natxo Checa

10.12 — 05.03.23

Inauguração
10 de Dezembro - 18h00

Terça a Sexta
10h00 - 17h00

Sábado e Domingo
11h00 - 18h00

A Exposição da ZDB apresenta, pela primeira vez, um conjunto de artistas e trabalhos que são referência para a Galeria Zé dos Bois (ZDB). A maioria dos trabalhos apresentados resultam de processos de criação colaborativos nutridos por residências artísticas, viagens e derivas. É esse “processo”, em que o somatório das idiossincrasias e linguagens poéticas potencia a criação do novo, que a exposição apresenta, numa montagem que privilegia a aparição de cada trabalho, mas também os seus diálogos em constelação.

Segundo reza a lenda, quando em 1998, Guterres e Aznar visitavam a representação portuguesa na ARCO de Madrid, depararam com um vídeo da Galeria Zé dos Bois, em que se simulava o rapto de um ministro por um grupo terrorista. “Quem é o pobre ministro?” – perguntou Aznar. Resposta de Guterres: “É o ministro da Cultura.” Comentário de Aznar: “Então não tem importância”[1]. Se este episódio desenha a condição da cultura portuguesa àquela data (e que se mantém hoje), os dois ministros estavam enganados. A Galeria Zé dos Bois afirmava uma alternativa que não dependia das instâncias formais do poder, e enfatizava um outro enredo de possibilidades de atuação, aqui simbolizadas por “um vídeo” (na verdade era uma instalação multimédia), o “rapto do ministro da cultura” e um “grupo de terroristas”.

Mutatis mutandis, a Galeria Zé dos Bois é uma “associação cultural criada por iniciativa civil” em 1994, com sede em Lisboa. Afirmou-se no contexto cultural português e, ao longo dos anos, tem atuado de forma independente e multidisciplinar nos domínios das artes performativas, da música exploratória e das artes visuais. Mas, em boa verdade, esta descrição é pobre e não faz jus ao que a ZDB representa. A sua missão expande todo o movimento cultural que abarca e seriam necessárias outras ferramentas de análise para dar conta do ritmo frenético a que nos habituou. Como diz Ventura, no filme de Pedro Costa: “Aqui o trabalho nunca para; agora somos mais de mil”[2]. Por isso mesmo, convém dizê-lo sem reservas, a ZDB é um oásis de aspiração libertária. É essa a sua força, gerada de costas voltadas para aqueles que entendem a arte como um aparelho burocrático- administrativo. É esse oásis que os artistas identificam como necessário e vital para o seu trabalho. Cada vez mais.

A Exposição da ZDB marca a primeira vez que a Galeria Zé dos Bois se volta para a sua coleção como parte integrante da sua história. É também a primeira vez que o faz fora de portas. E embora não tenha a ambição de criar um sentido apologético, uma exposição como esta fixa, situa e faz referência. E aqui representa-se não uma soma de artistas, mas um modo específico de envolvimento na criação de projetos. Implementado por Natxo Checa, responsável pela direção das artes visuais da ZDB, essa metodologia obsessional tem como principal característica o controle sobre os meios de produção. Não espera a resposta nem do Estado, nem do museu, nem da instituição, e apoia diretamente os artistas na coprodução/ cocriação dos seus projetos. Vários deles ambiciosos e exigentes (que ultrapassam a Bitola do contexto português), tais projetos envolvem viagens, residências de criação, projetos de livros e filmes, produções técnicas, etc. São relações de amizade e admiração mútua que estruturam a relação da ZDB com os artistas. Sem medo de sermos piegas, esta coleção é fruto de afetos e amizades.

Para além do apoio à criação, como pode ser entendida esta coleção e quais os critérios que presidem à incorporação de trabalhos? Perguntas que convidam a refletir diante da montagem da exposição que agora tem lugar no Centro Internacional das Artes José de Guimarães/ CIAJG. Podemos dizer que existe um vocabulário “zdbiano” que determina a razão de reunir artistas de gerações e contextos tão díspares, maioritariamente portugueses, mas não só. A génese desse vocabulário advém dos programas curatoriais de Natxo Checa, ainda nos anos 90, com o Festival Atlântico (1995, 97 e 99) ou a exposição O Império Contra-Ataca (1998), entre outros eventos. Mas, estritamente no âmbito da arte contemporânea, é a colaboração com os artistas João Maria Gusmão + Pedro Paiva, Mattia Denisse, Alexandre Estrela, Gabriel Abrantes e Gonçalo Pena, entre outros, que consolida o “especulativo” (expandido ao non-sense, à obsolescência da técnica, à abissologia, à patafísica, etc.) como vocabulário da coleção ZDB. Lente e aumento para outros artistas? Sim, por um lado e não, por outro. O gosto pessoal de Natxo Checa é derivativo e abarca outros interesses que, como um rizoma, retroalimentam a coleção. Por exemplo, toda a sua pesquisa sobre movimentos de emancipação e ativismos políticos dos anos 70 (“All power to the people. Então e agora – Emory Douglas”, 2011; “Cartazes cubanos da OSPAAAL”, 2017), sobre a poesia visual portuguesa (“VERBICOVISUAL”, 2017), ou ainda sobre cinema marginal e “terceiro mundo” (“Alto Nível Baixo”, 2019), funciona como um ponto de vista sobre outros artistas de uma geração mais recente, mas não só.

Não sei se esta expressão funcionará cabalmente, mas uma “historiografia solta”[3] poderia ser uma forma de entender a coleção da ZDB. “Solta” porque não está presa aos encadeamentos discursivos e canónicos da história da arte em Portugal. Um exemplo que colabora para esta ideia é a produção textual que acompanha sempre cada exposição que a ZDB realiza. Longe do receituário da crítica tradicional, a opção afirma o texto autoral, literário-filosófico- folhetinesco, o que evita congelar o sentido dos trabalhos dos artistas.

A Exposição da ZDB no CIAJG não mostra toda a coleção da ZDB, mas uma seleção de trinta artistas. A montagem, que ocupa dois pisos, evidencia a aparição de cada trabalho, mas também os seus diálogos em constelação. Neste sentido, será disparatado encontrar uma “narrativa”, mas podemos depreender um arranjo por blocos, criando espaços de conjunto cuja conexão não está predeterminada. Na entrada do museu, apresentam-se trabalhos enigmáticos, que convidam a decifrar o indecifrável. No piso térreo, manifesta-se uma vontade de organizar as salas por disciplinas artísticas (instalação, fotografia, desenho e grafismo, pintura), mas que imediatamente é sabotada pela montagem derrisória. No piso de baixo, o aspeto instalativo ganha corpo inclusive com trabalhos que reencenam algumas exposições anteriormente realizadas pela ZDB. À última da hora, a entrada de um trabalho de 1996 no arranjo final da exposição, as letras “Educado”, por Monica Galhão, heterónimo pobre da ZDB.

Finalmente, a razão do convite do CIAJG à ZDB resumida numa síntese: a defesa da invenção coletiva, o apoio multivalente aos criadores, a admiração mútua entre projetos artísticos, em que coleções, a do CIAJG e a da ZDB, podem conversar entre si.

Marta Mestre
Co-curadoria da exposição e direção artística do CIAJG

[1] Episódio referido na crónica “O Fio do Horizonte”, de Eduardo Prado Coelho, no jornal O Público, 19/02/98.
[2] “Juventude em Marcha”, 2006.
[3] Expressão lembrada pelo artista Pedro Henriques no jantar do dia 4 de dezembro, no restaurante Mourão, em Guimarães, que precedeu a inauguração de “A Exposição da ZDB” no CIAJG. Nele estiveram Gonçalo Pena, Mattia Denisse, Vitaly Tkachuk, Carlos Gaspar, Marta Mestre e Natxo Checa.

Artistas

Gabriel Abrantes, Patrícia Almeida, João Alves, Tiago Baptista, Von Calhau, Maria Capelo, Miguel Carneiro, Francisca Carvalho, Isabel Carvalho, Mattia Denisse, António Júlio Duarte, Alexandre Estrela, Joana Fervença, Marco Franco, João Maria Gusmão + Pedro Paiva, Pedro Henriques, Igor Jesus, Anne Lefebvre, Tomás Maia e André Maranha, João Marçal, Fala Mariam, Mané Pacheco, Gonçalo Pena, António Poppe, Adriana Proganó, Jorge Queiroz, Rigo 23, Yonamine…

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