Quando em 2008 tomámos contacto pela primeira vez com aquele puto vindo da linha de Cascais a tocar com as gentes respeitáveis da VGO, do Rodrigo Amado Motion Trio ou do RED Trio, não houve espaço para quaisquer dúvidas em afirmar com toda a convicção que se estava perante um dos valores mais iluminados e promissores a florescer no panorama do jazz e da música improvisada. Demonstrado já um equilíbrio notável entre entrega, precisão e um sentido de direcção, ouvido e diálogo potencialmente inesgotáveis, era revelador de toda aquela urgência que alimenta os mais inconformados. Passados estes anos, todas essas expectativas têm sido superadas com a graça e segurança dos grandes, num contínuo ascendente pautado por inúmeras colaborações, tours e desafios um pouco por todo o lado, abrindo uma panorâmica absoluta sobre as mais variadas músicas. E não deixamos de continuar a pensar nele como aquele puto incrível que toca bateria, mas isso é apenas porque a sede e a urgência continuam todas lá.
Tocando e gravando com figuras tão respeitáveis como Arthur Doyle, Peter Evans, Rob Mazurek, Jeb Bishop, Nate Wooley ou Thurston Moore, e virtualmente com todos os nomes que interessam nos meandros do jazz, da experimentação e da improvisação livre do burgo, Ferrandini foi criando todo um leque de referências cuja linguagem, em constante expansão, assume uma personalidade cada vez mais singular. Um caminho que tem tido na ZDB um dos palcos mais privilegiados para tomar pulso a tudo isto, numa demonstração de carinho e respeito mútuos, e que é agora celebrado da forma tão orgânica quanto desafiante.
Numa iniciativa muito pouco usual por estes lados, Ferrandini irá estar em residência no espaço ao longo de 2016 escrevendo temas originais numa onda descrita pelo próprio como “classic jazz meets free improv” para um trio que se apresentará periodicamente sempre com material novo. Nesta demanda, será acompanhado por dois cúmplices de longa data: o contrabaixista Hernani Faustino e o saxofonista Pedro Sousa. O primeiro, seu parceiro no RED Trio e uma das pontes primordiais para o diálogo geracional que desde sempre tem sido criado com a maior das naturalidades, e o segundo como uma espécie de alma gémea do baterista, num crescimento paralelo que toma aqui uma nova forma de estar igualmente sincera. Um trio de músicos notáveis a tornar possível os enredos – arriscamos escrever sem reservas, apaixonantes e sempre prementes – da cabeça de Ferrandini num work in progress constante que, mais do que balizar qualquer etapa específica desse crescimento, se trata de um processo natural para aquela que é hoje uma das figuras mais essenciais a actuar num espaço ainda por cartografar. Aqui e agora. BS