Não existem assim tantas oportunidades de acompanhar o crescimento, passo a passo, de uma carreira musical que desde logo se sabia promissora. No percurso, quase sempre sinuoso, são muitas as tentações e armadilhas artísticas que poderão ditar os mais diversos resultados. No caso específico de Damon McHahon, a depuração pela canção vingou. Poder-se-à especular, e bem, até que ponto o seu passado de experimentador sonoro solitário veio a incutir uma sensibilidade muito própria à sua assinatura composional. Desarrumar ideias para depois as organizar será uma sugestão demasiado injusta pois na realidade o universo de Amen Dunes sempre compactuou, com peso e medida, entre a embriaguez do ruído e a devoção aos céus. Essa existência siamesa de gestão harmoniosa, rumo à categoria de beleza sagrada, parece assumir-se como propósito maior. E por esse motivo Love é um disco absoluto na colheita dos últimos anos, uma espécie de clássico instantâneo.
Contra-sinal aos tempos que correm, e até à sua habitual metodologia de first take, cada uma dessas canções mereceu tempo e respiro ao longo de ano e meio de feitura. Pela primeira vez o músico fez-se acompanhar um conjunto alargado de contribuidores onde se podem encontrar Dave Bryant e Efrim Menuck dos Godspeed You! Black Emperor, o saxofonista Colin Stetson ou o Elias Rønnenfelt dos Iceage , apenas para citar alguns dos mais sonantes. Pelo acréscimo humano, julgar-se-ia um disco sonoramente vigoroso, quase mesmo sumptuoso. A verdade é que estas composições facilmente se poderiam adaptar a uma dimensão orquestral. Porém, a sua natureza é outra, reduzindo ao máximo os elementos à disposição extraindo a essência anímica que interessa. Definitivamente devocional, seduz pela discrição e cativa pela transparência.
Numa entrevista, McHahon confessou que sentia ter experienciado já cerca de três vidas paralelas. Gravando desde 2001, a sua obra torna-se já turva à distância. Com os Inouk saboreou a perigosa brisa do hype mediático que logo desapareceu tão depressa quanto nasceu. Deixou a cidade da Grande Maçã para trás – o suposto palco do mundo onde ninguém quer estar de fora – e entregou-se a uma vivência relativamente prolongada na Ásia. Por lá absorveu a cultura e filosofia local, rodeou-se de bosques e paisagens selvagens. De regresso aos Estados Unidos, e já em destaque na editora Sacred Bones, a lei cósmica atraiu-lhe o valor merecido, dando mais pistas sobre a real identidade artística do homem, sobretudo com o anterior Through Donkey Jaw. Neste momento, Amen Dunes até pode ter descido ao vale, de rosto reconhecível a todos, mas mantém uma aura enigmática (nas letras que escreve, nas atmosferas que cria e até mesmo nas capas que ilustram os discos) que o coloca, no fim de contas, como um eterno desconhecido.
Este concerto em Lisboa é um convite a escutar uma das vozes mais consensuais do nosso tempo; e, antes de mais, é um regresso há muito esperado e agora próximo de concretizado. NA