Quando um animal olha para nós, vê-nos tal como somos para ele e não articulará a boca e a língua para nos dizer por palavras como nos vê. Nem poderemos nós saber o que nos diriam tais palavras. A sua ausência só para nós é uma falta. O animal que temos ali diante não fala a nossa fala. E aquela mudez deixa-nos indefesos. E nus. O corpo do animal é como o nosso. Real e concreto. Tem cara, comunidade e habitat. Convida à curiosidade empenhada, para além das reacções em que nos fomos treinando. Convoca o nosso olhar e a imaginação de uma resposta que arrisque uma interacção, mais ou menos directa, individual ou comunitária. Física, política, artística ou outra. Mesmo que inábil e difícil. As criaturas não pré-existem às relações em que se implicam, constroem-se por indução recíproca. Produzem-se no entrosamento, a diferentes tempos, escalas e distâncias. Legando, herdando e reescrevendo gestos e histórias. Refazendo ideias de natureza e criando parentesco. ANIMAL ANIMAL é uma máquina de narração. Dois actores humanos a contar histórias em que os protagonistas são animais. A partir de uma selecção de espécies e de um conhecimento amador das suas morfologias, comportamentos e afinidades com o espaço humano, a par de um repertório de motivos e ideias inspiradas ou roubadas à literatura de ficção ou ensaio, são contadas histórias que tomam como cenário o Jardim Gulbenkian e a cidade de Lisboa, incluindo arredores, Monsanto e mais além. Serão abordadas espécies adaptadas ao ambiente urbano, as esquivas, que se refugiam nas periferias, e também as que só toleram o habitat selvagem. Os enredos desenvolvem-se ora individualmente, ora em alternância de vozes, sobre uma história matriz que é alterada em função de títulos sorteados no início do espectáculo. ANIMAL ANIMAL é uma prática de alegria e um processo em ligeireza. Sem fim.
