Com a subjectividade própria da natureza destas discussões e avaliações, felizmente os factos tratam de relevar a matéria realmente importante. Os Animal Collective poderão ainda hoje não ser uma força criativa convergente – na verdade, nunca o foram – mas ao olhar para o que fizeram e deixaram, dezoito anos depois do primeiro álbum, a influência musical e imagética na actualidade é real. Dos Dirty Projectors a tUnE-yArDs, passando por Grizzly Bear e tantos outros artistas, há um incontável número de mentes e corações tocados pela fantasia que Avey Tare e Panda Bear trouxeram ao mundo, naquele preciso momento.
Enquanto várias encarnações do rock e da electrónica, em finais dos 90s, se foram transformando em artefactos seguros, a necessidade de novas expressões e latitudes levou muitos ouvidos ao encontro de artistas cujo improviso e experimentação estavam de mãos dadas com uma atitude genuína de englobar géneros, épocas e referências, sem qualquer tipo de ‘guilty pleasure’. A liberdade de reunir o free jazz ao rock, techno à folk, Fleetwood Mac a Merzbow, com igual grau de familiaridade. Este desprendimento estético e real abertura parece ter sido a atitude de Tare e Bear quando, ainda em formato de duo, começaram por gravar os primeiros discos. Existe uma clara distância entre o seu passado e presente; os rumos que tomaram, o que ganharam e o que perderam, num caminho já quase com duas décadas.
“Sung Tongs” é uma poção mágica na alquimia pop a que os Animal Collective se têm dedicado. Não poderemos apontar apenas um motivo, mas podemos desde logo celebrar a súmula perfeita com que condensaram os cinco álbuns anteriores num só. A aparente simplicidade desta conclusão obviamente esconde a complexidade e natureza única de cada um desses discos, mas capta, afinal de contas, uma certa espiritualidade e linguagens que definiram a música da banda de Baltimore. Trata-se de uma espécie de banquete feérico para os sentidos e uma fabulosa ode dadaísta à pop contemporânea. O caos organizado que cada tema traz, reflecte um mundo em constante mutação em que os ritmos cíclicos travam encontro com onomatopeias omitidas com pulmões bem abertos e um escapismo sónico só possível a quem se entrega de tamanha alma. Para sempre ficarão os jogos de vozes de “Leaf House”, a febre alucinada de “You Could Win a Rabbit”, o tumulto de liceu de “We Tigers” e aquela maravilhosa viagem meta-pessoal que “Visiting Friends” evoca, como mais nenhuma outra canção. É difícil, muito difícil, senão mesmo impossível, abordar “Sung Tongs” sem um carinho especial – e seguramente cada devoto deverá ter as suas razões pessoais. Contudo, a partilha de um sentimento de catarse multicolor, difuso e fervilhante é um acto de sedução inconsciente cujo efeito, invariavelmente, gera o mais profundo amor. Algures nesse baú visual que é o Youtube, encontra-se um registo caseiro de “Winter’s Love”, um imperdível e valioso documento, onde os quatro elementos se entregam a uma versão desgarrada, cheia de emoção. Lá, estamos perante a doçura tribal que moldou as formas de “Sung Tongs” para a eternidade.
Esta apresentação em Lisboa replica o que se passou o ano passado durante o aniversário dos vinte e um anos da Pitchfork. Por cá, retrata uma oportunidade certamente irrepetível de voltar a escutar – ou ouvir pela primeira vez – “Sung Tongs” integralmente num palco. Pelos seus moldes e pelo simbolismo, não será arriscado afirmar que se trata de um dos eventos musicais mais essenciais dos últimos anos. Um sonho distante afinal tornado realidade. NA