Usar a música como guia, como farol, vem sempre a propósito. Seja uma nova referência ou algo que se procura – ou encontra – anos mais tarde, a sugestão de termos algo em que nos agarramos é forte. Isto vem a propósito de Anna B Savage. A londrina tem um invulgar talento para evocar uma série de coisas boas e outras tantas demoníacas que existiram na folk e na pop-indie-rock dos últimos trinta anos. Vale a pena não andar às voltas com essas referências e ir directo ao assunto: encontra-se muito facilmente aqui uma PJ Harvey.
Mas o mundo mudou e já não precisa de uma PJ Harvey. O mundo mudou e quando se fazem comparações com os grandes, há a tendência para se achar que é igual. Não é. Nos primeiros anos de carreira – muito antes do primeiro álbum -, Anna B Savage carregava a sua música com a irreverência do momento, sem saber muito bem onde a situar ou se a queria mesmo localizar num ponto específico. Depois vieram os álbuns, “A Common Turn” (2021) e “In|Flux” (2023), ambos na City Slang, onde aqui e ali se recordava a irreverência de Weyes Blood e com ela – a irreverência – o mesmo tipo de demónios. 2025 e há novo álbum, que é uma fuga para um lugar para deixarmos de procurar essas referências. Talvez para procurarmos outras, ou sentirmos Anna B Savage como algo inteiro, pronto a voar, à procura de um outro caminho. As novas canções são uma carta de amor à Irlanda, não ao país, mas ao imaginário folclórico que contamina muita arte/cultura. Uma carta de amor que é escrita com a fluência das canções de amor de folk e épico exacerbado – o para sempre é mesmo para sempre – que procuram paisagens que sirvam a um romance. E, nessas paisagens, que se ouvem nos instrumentos e na voz de Savage, correm histórias e momentos para que se fixem imagens nesses locais. Imagens para criar as tais referências que perdemos com esta nova Anna B Savage. Sem PJ Harvey ou Weyes Blood, ficamos apenas com Anna B Savage. É ela que encontramos em 2025, a encontrar-se a ela própria, a ser o seu próprio farol. AS