Vimo-la em março deste ano, a dividir a noite com Shannon Lay, e soube a pouco. Agora, meses depois, o palco é dela. É um das mais recentes oferendas da Spring Toast Records, epicentro de uma série de coisas imperdíveis. Escutando-a, imaginamos imediatamente alguém com mais idade; carrega elegância na voz e um tom onírico, contadora de epopeias imaginadas e romances vividos. Prima, antes de mais, por demonstrar um dom natural – e por isso muito honesto – da fina arte da composição. Fá-lo parecer fácil, quando não é. Sabe extrair o melhor de cada ideia para logo adorná-la com arranjos de bom gosto que persistem e se exibem delicadamente. Há sempre espaço para um certo mistério por detrás da sua voz cuja natureza acaba por se ligar às letras e ao universo que é capaz de evocar. Materializa-as, como uma sucessão de imagens ou como se de um filme se tratasse.
Descendente de uma família musical onde cabem ilustres elementos como Josephine Foster, Marisa Nadler ou Angel Olsen, a sua guitarra trata de criar uma densa hipnose, num oásis irreal onde a melancolia alcança uma deslumbrante ascensão estelar, deixando um brilhante rasto que persiste. Seja no mais delicado dedilhar, ou no mais furioso riff, de modo forma mais acústico ou pela mão da electricidade, as canções que agora compõem o disco de estreia “Blossoms” merecem para lá de uma escuta: quase que exigem uma contemplação. Mais noite que dia, mais lua que sol, April Marmara consegue com este disco entregar uma identidade segura e reveladora. Num conjunto de dez canções, a artista consegue captar o melhor de si. Comunica uma essência melódica pouco usual, sabendo evitar lugares comuns ou resoluções previsíveis – e ainda assim criando elo suficiente para estabelecer uma certa familiaridade. É capaz de convocar um misticismo de América profunda em “New Home”, um misto entre vulcão e lago, formas ardentes, ascendentes e resplandecentes por cada segundo. Em momentos como “Kids Night” ou “Lost Friend” surge, em banho-maria, uma sedução perigosa que penetra e ecoa como as grandes canções normalmente conseguem fazer. Dir-se-ia que é um álbum de estreia valente. Desde logo pela sensibilidade que transmite, pelos fantasmas que chama e pela segurança com que tudo se une. Como se não bastasse, sobra a ideia que temos entre mãos um disco coerente e belo, do início ao fim, não ficando um passo que seja atrás de outras contemporâneas suas, algumas bem suportadas a nível mediático internacional. Uma pérola, portanto.
Para este concerto reúne-se com amigos e apresenta-se não a solo, mas em formato de banda. Certamente privilegiando cada detalhe de “Blossoms”, numa apresentação inédita dos temas que o compõem e provando cada suspeita acima transcrita. Tudo isto acontecerá nas já afamadas matinés de domingo que têm feito do Aquário e o terraço da ZDB um cenário soalheiro para terminar o fim de semana em absoluta plenitude. NA