Duo francês que anda há praticamente quinze anos a subverter de forma bem lúdica as regras da canção francesa, Altr chega à ZDB no rescaldo da edição daquele que é o seu sexto e mais bem conseguido álbum – Turnetable -, numa edição da Murailles Music. Composto por Eloïse Decazes e Sing Sing, recorrem a um manancial de instrumentos mais ou menos habituais e inspirações díspares para daí projectarem um caleidoscópio em roda viva onde se vão revelando pedaços de chanson française, surrealismo, folk, calypso, corropios circenses e uma aura romântica quase naif, e plenamente consciente dessa pureza. Canções descarnadas, feitas de pequenos ruídos, harmonias vocais, teclados rafeiros, concertina e linhas de guitarra trauteáveis, tudo tratado com um sentido exploratório que nunca se leva muito a sério. BS
Arlt ⟡ Marcia Basset & Ursula Scherrer
Marcia Bassett & Ursula Scherrer
Uma das rainhas das músicas mais incatalogáveis nascidas em solo americano na viragem deste século, Marcia Bassett foi parte fundamental numa agitação e urgência irrepetíveis por entre os baldios mais insondáveis da música fora desse país, num período de fertilidade avassaladora onde os limites do rock, o legado da folk, o noise, o drone e formas voláteis de electrónica convergiam num mundo de linguagens (ainda hoje) sem nome. Para uma possível história, ainda por contar devidamente, ficam inúmeros documentos preciosos dispersos por entre CDRs, cassetes, edições em vinil muito limitadas e partilhas apaixonadas no Soulseek, num turbilhão de geografia dispersa que escapa ao esquecimento de quem acompanhou esse processo e de onde saíram nomes hoje mais do que reconhecidos em realidades já distantes dos pardieiros do outback americano, dos concertos em casas e associações de estudantes, da comunidade. Raízes para estrelas como James Ferraro, Daniel Lopatin, Grouper ou Pete Swanson e campo de trabalho continuado por Black Dice, Six Organs of Admittance ou Sunburned Hand Of The Man. E Marcia Bassett.
Contando com uma discografia imensa, Bassett fez parte dos superlativos Double Leopards, dos quais Halve Maen é colosso absoluto e intangível, do triumvirato “freak-folk-drone” GHQ ao lado de Steve Gunn e Pete Nolan, do êxtase sónico dos Hototogisu e de uma constante trajectória a solo enquanto Zaïmph. Encarnação esta que se mantém até aos dias de hoje e tem deixado um rasto de edições hipnóticas como Emblem, Mirage of the Otherou Rhizomatic Gaze que vão do drone mais assombrado a explorações vocais transcendentes, de paisagens beatificas para teclado a abismos de guitarra. Tudo orientado por uma visão muito pessoal e sem quaisquer concessões com tendências mais ou menos óbvias.
Paralelamente, tem-se enredado em diversas colaborações, em particular com Samara Lubelski, e com uma enorme afinidade para com artistas que nos são bem próximos como Margarida Garcia e Manuel Mota, tendo também começado já nesta década a assinar trabalho a solo em nome próprio. Nesse estado, tem-se focado em digressões imersivas em torno da voz e sintetizadores modulares e analógicos, com especial atenção ao lendário Buchla, numa acção que despoletou para a posteridade Undulating Akrasboning no ano transacto. Nesse contínuo e com a ideia sempre prenhe de colaboração, Bassett regressa a Portugal na companhia de Ursula Scherer, artista suíça com trabalho multifacetada nos domínios da instalação, da performance, fotografia e vídeo e que tem colaborado neste último campo activamente com Brian Chase dos Yeah Yeah Yeahs, além de encontros pontuais sinergéticos com Shelley Hirsch ou Valerio Tricoli. Concerto a apontar para estados de hipnose e imersão absolutos portanto. BS