Ao longo da actividade dos Hype Williams foi comum jogar-se com a verdade em favor da narrativa. A música que criavam a isso exigia, um exercício activo de questionamento do que é ou não é verdade ou, posto de outra forma, “se é mesmo assim que se fazem as coisas”. A apropriação começava pelo nome, prolongava-se na música, tudo isso era – e continua a ser – irrelevante para a forma como questionavam a arte sonora e a performance no século XXI. E faziam-no à custa de canções maravilhosas. Depois do fim, Dean Blunt prosseguiu com essa filosofia, continua a criar com uma artificialidade única e a questionar se as coisas são mesmo assim e, noutro nível, “se isto é mesmo a sério?”. A força está no acto de questionar e menos na resposta (que é irrelevante). De facto, para que interessa a verdade, se gostamos do que se ouve? As questões surgem também na sua editora, a World Music. Por exemplo, porque é que os álbuns de Joanne Robertson, cujo nome decorou-se graças às colaborações com Dean, se apresentam como objectos inacabados, frutos de um momento? Ou porque é que os bar italia, que começaram a editar na World Music (os mini-álbuns “Quarrel” e “bedhead”) e terão em breve um disco na Matador, parecem sucessores sentimentalões indie dos Hype Williams?
O trio britânico formado por Nina Cristante, Jezmi Tarik Fehmi e Sam Fenton beberam da mesma fonte de Dean Blunt. Influenciados ou não, rejeitam com categoria a colagem a géneros (um pouco como Robertson, é a voz que manda) e tem tanto de Felt (influência de Blunt a solo) como de Radiohead fase “The Bends”. Se tivéssemos que arriscar numa descrição, dizer que soam aos Ride se os Ride fizessem slowcore talvez seja apropriado. Porque há qualquer coisa de shoegaze aqui, naquela formulação mais pop que poderia ter sido heroica e enchido estádios (nunca aconteceu), com o tempo de quem não tem pressa para chegar a qualquer lado. Fazem isto jogando com a memória, as referências, impossível ouvir “Killer instinct” de “bedhead” sem se pensar em “Boys Don’t Cry” dos The Cure. E quando estamos à espera de que a apropriação se confirme, a música termina. Ou oiça-se “rage quit”, do mesmo álbum, sem pensar em “Coffee & TV” dos Blur. Tudo isto acontece muito à Hype Williams, no território das guitarras, do imaginário do powertrio. Com canções a terminarem no inesperado, evitando a consequência ou solução. Ficam as questões. E as canções, a maior parte vão diretas para a playlist dos favoritos. AS