Epítome de coolness e um dos poucos verdadeiros ícones do rock mais bastardo e marginal ao longo das últimas três décadas, Jennifer Herrema tem sido uma verdadeira sobrevivente cujo corpo de obra se espraia numa cultura mais ou menos popular onde música, arte e moda encarnam todo um estilo de vida único. Entre o sonho boémio e o pesadelo junkie, Herrema personifica o rock enquanto vida, postulado por Keith Richards, não só através da sua música como também em artigos para revistas como a Vice ou a Dazed & Confuzed ou exposições como ‘Violence the True Way’ ou ‘KITTY EX’. O modelo original do “Heroin Chic” de Calvin Klein, a confundir as noções de alta e baixa cultura desde o início da década de 90, quando aos 16 anos formou com esse guitar hero desalinhado que é Neil Michael Hagerty os indispensáveis Royal Trux.
Banda incontornável do rock mais estrepitoso, alimentado pela tensão e paranóia desses dois junkies, deixaram um legado imponente onde se inclui esse pedaço de carvão incandescente que é ‘Twin Infinitives’ – espécie de ‘Exile on Main Street’ no limite –, o clássico ‘Accelerator’ e uma passagem pela então gigante Virgin na ressaca do sucesso de ‘Nevermind’ antes de cessarem actividades em 2001 durante a digressão do seu último álbum ‘Pound for Pound’. Culminar de um período particularmente depressivo para Herrema em que o lado negro do consumo abusivo de drogas e álcool se apoderou da sua persona. Resistindo a todas essas intempérides com o acervo daqueles que nunca definham perante o abismo, reaparece com uma nova banda – RTX – e o brilhante ‘Transmaniacon’ em 2004. Sigla para Rad Times Express, são como que o exorcismo necessário para Herrema, enfatizando o lado mais festivo da sua anterior banda – os demónios parecem ter ficado com Hagerty – com toda a ferocidade e nervo que importam, a carregarem a sua lírica impetuosa e street smart.
Combo capaz de albergar detritos do hair metal, do hard rock e do funk, serve-se de toda a iconografia rock – das power ballads às jams intempestivas – para criar uma mitologia própria espelhada em três álbuns essenciais ao abrigo desse nome de guerra. Em 2012, adoptando o novo nome de Black Bananas, continuam a dinamitar as convenções rock com a reverência de quem tem nele uma segunda pele com o lançamento de Rad Times Express IV. Já este ano, lançam aquele que é o disco indispensável deste Verão – Electric Brick Wall. Summer jams enviesadas, onde as memórias de Paisley Park são submetidas a tratamento de choque, e se enredam numa promiscuidade eléctrica capaz de ser simultaneamente sexy e claustrofóbica. Ou seja, tudo aquilo que o rock devia ser e tão poucas vezes consegue. Algo que para Herrema se confunde com a própria vida. BS
Black Bananas ⟡ Putas Bêbadas
Black Bananas
Putas Bêbadas
Se os Kinks usaram a lâmina de barbear para cortar um amplificador de guitarra e obter ‘aquele’ fuzz, os Putas Bêbadas usaram-na na própria categoria do rock. Cortaram-na de cima a baixo e, com o assassinato da inteligibilidade, atingiram uma forma única de subversão musical. É que, sem categorias, o único sítio que resta para enfiar a sua música é aquele que nunca vê o sol.O seu disco Jovem Excelso Happy de 2013, lançado através da Proxeneta Records (side label da Cafetra Records), é uma espécie de filme snuff onde estão registados os estrangulamentos e decapitações dos elementos reaccionários que permitiram ao punk a sua sistemática absorção pelo capitalismo. Numa era em que o logo dos Ramones é confundido como marca de roupa, os Putas Bêbadas, inocentemente ou não, rejeitam qualquer tipo de irreverência ou postura crítica de fácil compreensão e, como tal, são como uma chave de fendas nas roldanas semióticas, facilitistas e estupidificantes da sociedade de consumo. O sujeito lírico interpretado por Miguel ‘Abras’ Abreu tanto profetiza a vinda apocalíptica de ‘São Enrabo’, o carrasco anal da padralhagem, como apregoa e problematiza o fluxo desenfreado do desejo por incentivá-lo e vivê-lo até às suas últimas consequências. Assim que ligam os seus amplificadores, João Dória e Hugo ‘Sushi’ Cortez dão início a um processo irreversível de auto-destruição onde o ‘concerto’ desaparece para dar lugar a outra coisa qualquer em estado larval. E se um qualquer personagem da Troma Entertainment fosse produtor de música, esse seria Leonardo ‘Leio’ Bindilatti aka Rabu Mastah que, além de ter misturado o disco, é quem transforma a tarola num instrumento de depravação rítmica. Depois de olhar o male gaze de Jovem Excelso Happy de frente, somos confrontados com a realidade pura e dura do desejo – a da sua amoralidade e irracionalidade -, e tudo através deste bando (anti-)vanguardista de burocratas da prostituição e alcoolemia melódico-harmónica. AR