Oriundos do copioso mosaico artístico de Washington D.C., os Blacks’ Myths reclamam com total legitimidade e urgência o papel central da história e da cultura negra na criação e vitalidade da realidade Norte Americana. Manifesto de intenções desde logo escancarado no próprio nome e geograficamente atracado a essa mesma história dado o posicionamento factual e simbólico dessa mesma cidade nas políticas dos Estados Unidos. Como que uma revanche a partir do epicentro do mal. Formada por Luke Stewart – de Irreversible Entanglements e Heroes Are Gang Leaders – no baixo e na electrónica e por Warren Cudrup, III na bateria, esta entidade libertadora actua como um devir a partir da tradição negra e suas extrapolações afrofuturistas, em linha de contacto espiritual e reivindicativo com grémios como os já citados Irreversible Entanglements – onde se encontra Moor Mother, também ela figura essencial neste processo de reavaliação e reposicionamento -, Mourning [A] BLKstar ou os entretanto desactivados Black Spirituals. E todas as encarnações passadas.
Assente nessa secção rítmica, aqui elevada à totalidade tímbrica, harmónica e rítmica, a música de Blacks’ Myths acorre ao jazz, campo de trabalho amplamente explorado por estes dois músicos, para daí se fazer ouvir com o frémito do punk de D.C. – dos Bad Brains ao legado pós-hardcore da Dischord. A estreia homónima, de 2018, revelou um plano de acção hipnótico, revolvendo linhas de baixo repetitivas, texturas electrónicas e ritmos flutuantes numa contemplação quase dub de evolução pausada, que raramente cedia a impulsos mais explosivos, e trazia à baila a ideia de algumas investidas do pós-rock de Chicago, tivesse este aparecido no seio da AACM. II, lançado no ano seguinte, descola-se dessa maior contenção para assumir a distorção e o ruído como elementos cruciais neste acordar de consciência, entre explosões breves – Rapture -, longas digressões free de escarcéu magnético – Stand Your Ground – e momentos de contenda mais paciente – Redbone – onde, a espaços, se escutam as palavras carregadas de história e futuro de Dr. Thomas “Bushmeat” Stanley, poeta, professor de “black studies” e estudioso do P-Funk e do jazz mais cósmico. Conluio pleno de sentido, de algo que urge ser escutado. Aqui, por exemplo. BS