Num tempo de (sobre)consumo de informação, do digital a engolir o mundo, e o mundo a regurgitar de um delírio de excessos, quantas serão, afinal, as propostas artísticas realmente essenciais? E convém balizar a questão: entenda-se por essencial aquela sensação rara de suscitar admiração imediata, de nos fazer questionar o que se experiência ou de nos causar divertimento e terror, quase em simultâneo. Afinal, já muito se inventou e reinventou e os Gabber Modus Operandi não oferecem propriamente um novo universo. Oferecem sim uma nova dimensão, como há muito não se escutava – e tanta falta fazia; é uma palete diversificada, tão envenenada quanto celestial, de sons e performances extremas, numa das encarnações mais filha da puta dos tempos em que vivemos. É um genuíno motim por natureza, de sangue ancestral e futurista, em erupção. É um delirio punk turbinado pelo 4G e pela memória da rave dos 90s. Ou poderá ser, simplesmente, um daqueles pequenos milagres só testemunhados de tempos em tempos.
Longe das ditas primeiras capitais artísticas mundiais, é da Indonésia que toda esta magia chega. Irremediavelmente exóticos aos olhos de um ocidental urbano, a verdade é que os Gabber Modus Operandi fazem parte de uma vaga maior de vanguardismo sonoro oriundo de outros pontos do globo. Com um passado ligado ao metal e ao industrial, passando pelo noise e ao techno, foram variados os projectos e as vidas que o duo composto pelos imparáveis Kasimyn e Ican Harem tiveram até chegarem a este capitulo comum. Fiéis aos ensinamentos DIY e à experimentação sónica, o transe é um estado de espírito, que parece libertar e unir.
As produções cruas, assentes em ritmos desenfreados (superiores aos 200 BPM) e ruído bruto, encontram-se com ecos de música tradicional da Indonésia (onde o gamelão e outras percussões se escutam em tom surpreendente). A esta matéria negra junte-se um furacão vocal, frequentemente gutural e intenso, maléfico como só poderia ser. HOXXXYA é o álbum que aterra em 2019 com reverência mais que merecida. Têm queimado cada palco por onde passam e puder sentir, em primeira pessoa, este tipo de danos é coisa séria demais para quem tem necessidade de vida. NA