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Bonnie “Prince” Billy ⟡ Matt Kivel

— ZDB no Teatro da Trindade

qua26.07.1722:00
Teatro da Trindade


Matt Kivel

Desde o início dos anos 90 que Will Oldham é uma personagem feita de vários alter-egos, construído por músicas e imagens. Testemunhou o último grande sopro artístico do indie rock, recuperou um género proscrito (o country) e deu-nos a ouvir, como se fosse a primeira vez, essa manifestação de uma voz e de um texto chamada canção.

Fê-lo primeiro num tom desconfiado, quase lúgubre, duro, inspirado tanto pela honestidade do punk, como pelos ecos das montanhas Apalaches. Neste período, os seus discos tinham a assinatura de Palace Brothers, Palace Music ou apenas Palace, e inauguravam, para muitos, um novo género: o country alternativo. A partir de 1997, e até hoje, as coisas mudaram. Oldham abriu-se a versões (Richard Kelly, Leonard Cohen), foi alvo de versões (Johnny Cash, Mark Kozelek, Mark Lanegan) e colaborações (Björk, Current 93, Tortoise), envolveu-se em projectos laterais (com Matt Sweeney) e, sobretudo, tornou as suas canções mais partilháveis, mais próximas de quem as escuta. O humor, a exploração de outros arranjos e tradições da música popular americana (gospel, folk), a presença de vozes femininas e uma certa leveza contribuíram para essa intimidade.

Só as relações amorosas, a família, a liberdade, os temas eleitos do personagem, entretanto rebaptizada com o nome de Bonnie ‘Prince’ Billy, resistiram ao tempo. Neste retorno a Lisboa, a solo, traz-nos os temas compostos ao longo de vinte anos !

voz e guitarra Will Oldham

Matt Kivel

Herói local em Los Angeles, a sua biografia escreve-se a cada dia, a cada disco. Planou por demasiado tempo abaixo do radar de meio mundo, ainda que originando um fluxo de trabalho constante, desafiante e tremendamente apaixonante. A história do guitarrista e compositor norte-americano é assim esparsa e em construção, tal como a linguagem musical que tem vindo a erigir a solo desde finais de 2013.

Entre a vida profissional e pessoal, é de facto uma felicidade ainda existir espaço para que as suas canções possam existir. Para quem se dedica a um emprego de oito horas diárias, o desafio pode ser gigante. Mas ao invés de incutir essa condição como escape frenético, Kivel trata de dar o oposto. O tempo – esse eterno grandioso inimigo – parece aqui moldado a bel prazer, subtraindo e acrescentando detalhes, apelando à atenção de quem o escuta. Claro que tamanha exigência só pode reservar uma gratificação à altura. Contam-se já cinco fabulosos álbuns, entre os quais uma obra maior chamada ‘Fires on the Plain’ (repartida em 26 temas em quase um total de hora e meia de duração). Quantos discos afinal possuem essa generosa ousadia de partilha alargada?

Desde “Double Exposure” que a fonte criativa se suspeita infindável. O dom vem a apurar-se cada vez mais com o próprio a desafiar as suas abordagens. Melodias irrepreensíveis, que rabiscam e serpenteiam a imaginação, suportadas numa poesia livre de substância ora confessional, ora surrealista. Com um charme outonal, ecoam aproximações a Jim O’Rourke de ‘Eureka’ ou uns Yo La Tengo mais estratosféricos. No entanto, fique claro que Kivel é mais que uma boa súmula de folk dada a leves experimentações estelares; é sim uma pequena lenda viva cujo valor já foi reconhecido por outros grandes como R. Stevie Moore, Alasdair Roberts ou Fred Thomas. Todos eles marcaram presença em ‘Heaven, Songs of Matt Kivel’ que reúne algumas versões de contemporâneos em redor da sua obra. Um feito deveras fascinante. Além disso, subido ao palco ao lado de Steve Gunn ou Angel Olsen. O currículum poderia aliás continuar – e sempre respeitando uma fasquia elevadíssima.

O que mais entusiasma e capta na sua música é o factor surpresa, o inesperado. A aparente pacatez de uma canção de arestas tradicionais que, a pouco e pouco, revela outras dimensões. Seduz pela familiaridade inicial para logo se afirmar como um objecto insular. ‘Fires on the Plain’ cristaliza estes e outros trunfos, deixando-se respirar, crescer. É um disco que nunca chega realmente a terminar senão a tomar uma posição omnipresente no nosso dia-a-dia. Como é sabido, a benção de Will Oldham nunca é em vão. Kivel há muito que a detém. Chegou então o momento de perceber, na primeira pessoa do singular, a razão de tanto aplauso. Uma estreia no tempo certo, à nossa espera. NA

voz e guitarra Matt Kivel voz e sintetizador Emily Hunt Kivel

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