Em 1999, os Pavement estavam a caminho do fim, os Dinosaur Jr., num sonolento hiato, e os Pixies e os Nirvana haviam desaparecido. O indie-rock americano passava por uma crise de meia-idade, só contrariada pela energia empolgante das Sleater-Kinney e por essa banda que, desde o seu nascimento em 1992, se vem confundindo com o nome de um vocalista, letrista e guitarrista: Doug Martsch. Os mais atentos já adivinharam: é dos Built to Spill de que se fala aqui, a banda que, com o álbum Keep It Like a Secret (1999), suavizou o indie-rock, retirando-lhe a abrasividade, a aspereza, a virulência de outras épocas e protagonistas. Sim, em certa medida, devemos a Martsch, bem como a todos aqueles que fizeram a parte da história da banda, uma amenização do género, por meio da ênfase na melodia e na tonalidade emocional, quase dramática, das canções.
Com os Built to Spill, a revolta ou a introspecção, sublimadas na violência das guitarras e da bateria, cederam lugar a uma abordagem mais confessional e comunicativa. Embora, com a devida vénia aos pioneiros (Minutemen, Beat Happening, Dinosaur Jr., Sonic Youth, Neil Young ou Pixies), os Built to Spill buscaram sempre outro lugar, menos agressivo, mais etéreo. Note-se a presença recorrente das passagens instrumentais, o falsete expansivo de Marsch (ouça-se “Car”, de There´s Not Wrong With Love), os acordes simples e encharcados em distorção (“Broken Chairs”, de Keep It Like a Secret), o gosto pela leveza e a criação de atmosferas (“A Secret”, do mesmo disco). Foram estes os elementos que notabilizaram os Buit to Spill como grupo pós-Our Band Could Be Your Life, influenciando a explosão eléctrica do pós-rock e bandas tais como os Modest Mouse, Death Cab for Cutie, The Strokes ou The Microphones. Ao fim de quase 30 anos, ei-los com oito álbum de originais, uma forte independência criativa (nunca beliscada pela ligação à Warner Brothers) e um culto secreto, intenso e imenso que, nesta noite, se animará ao primeiro acorde. Com distorção feita melodia e voz, originária de um país que continuamos a sonhar contra todos os pesadelos. JM
Built to Spill ⟡ Oruã ⟡ Shaolin Soccer
Built to Spill
Oruã
Os Oruã vêm do Rio de Janeiro. Trata-se de um trio formado por Lê Almeida (guitarra, teclado e voz), João Luiz (contra-baixo) e Phill Fernandes (bateria) que funde o fuzz-rock com o hypnagogic pop, num cuidado extremoso com a melodia, as vozes e o ritmo, e uma sensibilidade raríssima às possibilidades do sampling. Música de bricolage a tecer canções, numa breve sequência de palavras, é o que os Oruã prometem.
Shaolin Soccer
Num território mais próximo rock, a evocar os Times New Viking, encontram-se os Shaolin Soccer, supergrupo de indie rock, em que a voz é de todos os músicos. São eles Gonçalo Formiga (Cave Story), Manuel Simões (Norton), Helena Fagundes (Dirty Coal Train, Vaiapraia & As Rainhas do Baile, Clementine). A voz divide-se entre os três. No intervalo dos seus outros projectos, estes monges do futebol shaolin decidiram desafiar-se em novas direcções, em novos instrumentos e novas táticas. Os concertos desdobram-se em rock, noise, pop afetuoso e desajeitado. Para breve está uma primeira edição que os juntará ao catálogo da Hatsize.