É sob o signo de (Von) Calhau! que Marta Ângela e João Alves encontraram um meio de expressão somente seu. Uma cosmologia própria, de entendimentos e noções tão simples quanto brilhantes. Há já mais de uma década que têm vindo a destilar a realidade, e o que para existe para lá dela, num contínuo projecto artístico que é afinal a sua vida. Celebram o mundano e o místico, o profano e o sagrado; é um processo desafiante, para eles e para nós, que os acompanhamos em constante assalto. É de frisar que exploram, como poucos, as delimitações linguísticas, sejam orais ou sonoras, oriundas do imaginário popular ou de narrativas sci-fi; as fontes, essas, parecem inesgotáveis e ao alcance de qualquer um. Existe algo de bastardo nas peças que criam, frequentemente com sabor a retro-futurismo kitsch. Pelo modo como fazem expandir uma ideia, uma palavra ou uma imagem, entendemo-los como personagens performativos num constante desenrolar de pequenas grandes acções. Sejam entre quadro paredes de uma galeria ou em cima de um palco.
O corrente fluxo de actividade do duo leva-nos agora a um exoplaneta chamado TAU TAU ou um novo disco na colecção de gravações sonoras da nave Calhau! Um delírio electrónico em que a voz de Marta assume várias morfologias por entre as esculturas avariadas de João num conjunto de narrativas inefáveis. Talvez desde a época dourada da Ama Romanta que ninguém por cá puxava os galões do surrealismo e do dadaísmo com tremendo espírito. Continuam a cruzar o macabro com o humorístico, como ninguém, e sem um mínimo de concessões. A liberdade estética dos Calhau! mantém-se intocável assim como a sua capacidade de nos colocar num cenário desconfortável e simultâneamente fascinante. Um cenário bastardo, mas fértil e capaz de curar. Quem os viu antes sabe que cada concerto é um instante ímpar, de impossível replicação. Estar a escutar e a entranhar estas lições, exercícios e rituais, pela primeira vez, é uma oferenda sem recusa. Antes, há o solo de gaita de foles de Vasco Alves em que escutaremos novas abordagens ao instrumento numa apresentação vulcânica. NA