Luminário da Costa Oeste dos Estados Unidos, Carl Stone tem sido, em tempos mais ou menos recentes, alvo de um desenterranço de relativa obscuridade graças aos esforços continuados da valorosa Unseen Worlds. Com ofício a remontar ao final da década de 60, quando formou com o saudoso Z’EV uma banda que chegou a fazer audições para a Bizarre Records de Frank Zappa, mas não deixou memória, veio na sequência do final da mesma a ingressar no conceituado California Institute of Arts onde estudou sob a batuta de Morton Subotnik ou James Tenney. Mentorado de peso que viria a influenciar de forma decisiva a linguagem de Stone nos domínios da electrónica e da electro-acústica.
Trabalhando durante a década de 70 muito ao abrigo da Academia, recorrendo à colagem e ao uso de gira-discos como meios primários, é na década seguinte que integra definitivamente o computador na sua acção, sendo, ainda hoje, o “instrumento” primordial para as suas composições. Começa também um fascínio perene para com o continente asiático, que se formaliza factualmente, através de várias residências e colaborações com artistas asiáticos como Min Xiao-Fen ou Otomo Yoshihide, mas também na adopção pura e reverente de escalas e ressonâncias fora do cânone europeu. E também na prática de dar às suas peças o nome dos seus restaurantes favoritos, quase sempre asiáticos.
Woe Lae Oak, peça comissionada pela CalArts, em 1981, e registada para a posteridade em 1983, deixa, desde logo, essa fixação bem patente ao longo de uma hora bem deliberada e paciente de cordas e flauta em drone luminoso. Revelador de uma serenidade e humanismo muito próprios, a música de Stone acerca-se de algum minimalismo por via da repetição e alucinação auditiva, ao mesmo tempo que o extravasa com recurso à apropriação e recontextualização de material alheio, numa estratégia de sabotagem benigna que espelha o sampling do hip-hop ou a piratagem plunderphonics. Grandmaster Flash e John Oswald nunca estiveram assim tão distantes, afinal de contas.
Operando continuamente durante as décadas seguintes sem grande fanfarra, largando a um ritmo lento trabalhos como o hipnótico Four Pieces ou as colagens rítmicas compiladas em Kamiya Bar, para além de colaborações com gente como o cornetista Alfred Harth ou Tetsu Inoue, ganhou um novo folêgo e devido reconhecimento aquando da edição, em 2016, de Electronic Music From the Seventies and Eighties e Electronic Music from the Eighties and Nighties, em 2018, pela já citada Unseen World, onde era resgatado às sombras material superlativo desse período fértil. Desde então, e com o amparo dessa mesma editora – responsável por maravilhas de Laurie Spigel ou “Blue” Gene Tyranny – tem-se revelado incansável, gravando e lançando a um ritmo franco sem queda para a auto-contemplação. De uma pertinência e vitalidade pouco habituais para quem já está com 70 anos, Stone revela hoje uma visão panorâmica num espaço liminal entre o intangível e o reconhecível, recorrendo a samples da folk asiática, j-pop, afrobeat e tudo mais num jogo de espelhos que tanto se transfigura no terrorismo drill’n’bass de Stolen Car como na sampledelia bouncy bem lúdica de Wat Dong Moon Lek. Tudo incrível. Diríamos até mesmo obrigatório. Tal como esta sua passagem. Acreditem. BS