Dama de um negrume charmoso, foi uma das grandes surpresas de 2016. Fez-se notar numa série de publicações de topo como a Wire ou a Mojo, dominou escolhas em diversos podcasts e, por consequência, tratou de cunhar a sua impressão digital à pop actual. Um feito invejável, muito à conta de uma inspiradíssima película sonora de baixa fidelidade chamada You Know What It’s Like. Irónica na escolha conveniente do título, apela no fim de contas a uma dada familiaridade por entre registos enigmáticos e experiências inusitadas – uma receita infalível, como as melhores sabem fazer e nos habituaram a reconhecer.
A jovem australiana, a residir em Berlim, traz às costas a experiência da sua condição de auto-didacta, sem restrições morais ou constrangimentos artísticos. Apenas como extensão de uma personalidade, ainda e sempre em movimento. Dessa natureza nasce pois uma força intuitiva, impossível de enganar, que norteia os espaços etéreos e as confins sedutores por si descortinados. Uma certa liberdade de caminhos, igualmente aberta ao erro, aos seus detalhes e às suas maravilhas, cujo sentimento leva a destinos não imediatos e por isso tão tremendamente intrigantes. Dal Forno provavelmente tem conhecimento deste efeito, e mesmo que não o tenha, na verdade não poderia usufruir de melhor abordagem para a sua criatividade.
A tensão de contrastes que advém dessa ligação umbilical com as potencialidades sonoras do quotidiano, afirma-se como ganho maior perante um corpo de trabalho essencialmente minimalista. Produzido num apartamento inóspito, onde os ruídos de quadros eléctricos se fundiam com a intermitência das lâmpadas, esse limbo entre o delírio e a realidade também alimentaram os escapes retro-futuristas de Dal Forno. Daí que quem melhor senão a família Blackest Ever Black – editora de luxo, especialista em sons fora desta dimensão – para representar a chancela do seu álbum? Seja na forma de madrigais electrónicos, mantras new age ou esboços de cancioneiro orgulhosamente imperfeito, o assombro emocional é, em todo o caso, uma garantia irrecusável. Depois há um rol de elementos cujo papel reforçam essa linguagem: a reverberação na voz, a cadência xamânica e o tom vintage de um léxico pós-punk de mão dadas com as visões idiossincráticas das The Raincoats, Young Marble Giants, Nico e até do histórico viking das ruas de Nova Iorque, Moondog.
É na plataforma online Berlin Community Radio que também dá corpo a estas e outras intervenções. No seu programa são frequentes as viagens musicais às fundações do industrial, do dub, das bandas sonoras de filmes de lado b e puro ruído de estática. O princípio de revelar um pouco da sua persona é por sua vez observado igualmente na forma honesta com que pisa o palco: equipamento parco, expressividade a rodos e a sensação, quase voyeurista, de estarmos a assistir não a uma mera atuação, mas sim a um a estado de ser. E isso diz muito. NA