Erguem-se os ruídos indecifráveis, confundem-se no interior da densidade nebulosa dos lagos do Indiana e de lá surge uma voz encantadora, porém, envolvida em enigmáticas entoações. Na meditação de Haley Fohr nascem inflexões soberbas, capazes de gerar um outro enigma, que se funde por entre vocais de invulgares notas graves que raramente se abandonam, divagando e elevando-se vagarosamente. É uma voz visceral camuflada de trajes leves caminhando calmamente pelos arranjos intrépidos da viola.
Haley Fohr criou o seu próprio espaço musical. Parte da folk sombria para uma infinidade de sonoridades que se materializam em fragmentos de audácia experimental, versos majestosos de soul melancólica, teclas compadecidas de contornos jazzísticos. Circuit des Yeux nasce no seio da introspecção desta compositora que não estagna, prossegue versátil, descola-se inconsolável, um inconformismo que outrora resultou em parcerias com Bonnie ‘Prince’ Billy, Bitchin Bajas ou Lee Ranaldo.
Reaching For Indigo (Drag City, 2017) levanta-se camada a camada revelando coros, teclados, cordas, estratos enrolados no secretismo de um órgão amortecido – suportado e acompanhado por executantes exímios como Cooper Crain e Rob Frye dos Bitchin Bajas. Cantigas que se passeiam sorumbáticas, debatendo a impetuosidade imposta pelos vigorosos edifícios de Chicago, cidade onde habita desde 2012. Um retorno feliz, depois de um desvio pela country contemporânea, sob o nome de Jackie Lynn. Reaching For Indigo – como os seus mais recentes antecessores (Overdue, 2013 e In Plain Speech, 2015) – oscila por raras e ténues explorações sonoras, formando-se por fim numa pérola de oito faixas que ascendeu radiante ao topo das listas de 2017 (The Wire, Público). Uma gentileza citadina despida de megalomania, mas coberta de riqueza imaterial que anuncia o seu regresso a Lisboa e à ZDB, onde apresentará, pela primeira vez, esta obra-prima. JH