‘Cyborg Sunday’ de Dinis Machado começa com cinco performers a recordar, em voz alta, uma história que ainda vai acontecer. A história, sobre um dia na vida de um grupo de pessoas, que vivem juntas em harmonia, é contada através das impressões dos intérpretes, pelas suas recordações filtradas e sensibilidades individuais. Enquanto se esforçam por lembrar com exactidão as suas memórias, desencadeiam sensações físicas que vão mudando de forma, embora prosseguindo com a sua intenção.
Lentamente, as suas acções vão ficando mais fragmentadas, perdendo não só significado, mas também substância física. No entanto, isso não é o caos, nem corresponde a liberdade total. Em vez disso, tudo é ultra considerado e à medida que as suas máscaras sociais caem somos guiados para um mundo imaginário rico, algo com tanto de pessoal como de efémero. Mesmo quando experimentam os cabelos uns dos outros, a mais prática e mundana das suas acções, isto é realizado, não para causar efeito ou impacto, mas simplesmente porque podem fazê-lo. Podem ser os outros sem deixarem de ser eles próprios. Apesar de tudo, a realidade parece ser a ficção que criam e partilham, têm isso sob controle.
Com o desenrolar da história, os personagens convivem intimamente. Eles dormem, cozinham e comem e filmam-se a ter sexo, enquanto o movimento dos performers se torna cada vez mais ténue, de modo a que, até mesmo referências directas, a um hambúrguer, por exemplo, perdem o seu impacto literal. Talvez os movimentos estejam, também, a ser ‘desmascarados’. A única coisa que parece importar é a forma como os diferentes elementos do elenco se lembram e se relacionam com a história, a sua perspectiva pessoal unida por uma referência externa. Se a história é a moldura da peça, são os performers que mantêm tudo em conjunto através das possíveis representações, que nunca chegam a acontecer.
‘Cyborg Sunday’ funciona como um labirinto sedutor onde o fio de Ariadne nos leva não para a saída, mas para um mundo denso e intangível, profundamente interior.
— Texto de Pedro Machado