É uma desconcertante a música que Dirty Beaches (o nome artístico Alex Zhang Hungtai) nos oferece. Namora com a pop, mas não cede completamente aos seus encantos. Cita com abundância o passado (os Suicide, os Modern Lovers e Jonathan Richman, o rockabilly) mas afirma-se, voluptuosa, no presente. Explora num momento o formato tradicional da canção, para o abandonar logo a seguir. Vive numa fronteira espácio-temporal imprecisa, atravessa géneros, temporalidades, lugares, sem repousar em nenhum. Não é difícil descobrir afinidades com outros músicos. Como Daniel Lopatin ou William Baskinki, Alex Zhang Hungtai transforma a memória em matéria-prima musical e entrega-se, com uma liberdade juvenil, aos sintetizadores e à electrónica. Os seus desígnios, no entanto, são outros. Tem desejo de tradição, persegue uma ideia de canção. Quer ser rocker e crooner, como aliás demonstrou, há dois anos, no fabuloso concerto de estreia na Galeria Zé dos Bois. Nessa noite, conjurou os monstros do swamp rock, os gritos de Elvis, as guitarras dos Gallon Drunk e a intensidade das atmosferas dos Loop. Mas o seu cânone expande-se para lá destes nomes, tornando-se difuso, menos previsível. Por isso, as longas digressões que interpreta na obra mais recente, o duplo “Drifters/Love Is the Devil”. Ou também aí, as canções que murmuradas em línguas diferentes parecem vaguear em busca de um território. Diga-se que este músico é mesmo um viajante. Nasceu em Taiwan, reside em Berlim e viveu noutras cidades do mundo. Não sendo inevitável, a condição de nómada insinua-se naquilo que faz. Dos teclados e da guitarra, emergem melodias que se repetem gentilmente e texturas que calam a aspereza dos acordes, para comporem paisagens dominadas pela solidão e o desenraizamento. Música de uma leveza angustiada. Ao que parece Wong Kar-Wai é o cineasta favorito de Alex Zhang Hungtai. Devia ser Jim Jarmusch. Partilham uma melancolia semelhante e a mesma relação sentimental com paisagens sonoras e temporalidades distintas. Um certo afecto pela cultura popular do século XX. Mas enquanto Jarmusch parece um fantasma que admite a passagem do tempo e o fim das grandes narrativas da pop, Alex Zhang Hungtai, por inconsciência ou convicção, não se agrilhoa a um arquivo, a uma história. Não desiste. Por isso, estará de novo na Zé dois Bois, desta vez à frente de uma banda (a sua voz e guitarra juntam-se a uma bateria eletrónica e a um sintetizador), para interpretar uma belíssima elegia sem tons fúnebres. JM