Victor Hugo, no livro O Homem que Ri, descreve um estranho episódio de tempestade no mar em que o oceano é assaltado por súbitas irrupções de criatividade fenomenológica. A essa ocorrência Victor Hugo chama de Eflúvio Magnético. Trata-se de um fenómeno meteorológico que, enquanto possibilidade, se manifesta como uma multiplicidade irremediavelmente inscrita para além do conhecimento humano: o próprio título do capítulo da tempestade, As Leis Que Estão Fora do Homem, lança este problema epistemológico. Devemos ainda considerar que esta ficção propõe um limite, uma interdição categórica quando, o mesmo fenómeno coincide com a supressão das personagens que assistem, impotentes, à tempestade. Persiste aqui uma relação inequívoca e fundamental entre a multiplicidade, digamos, totalmente heterogénea (onde a compreensão humana só pode conceber o inconcebível) e o pensamento do Ser enquanto Ser, a ontologia.
Antes de mais, devemos ter a percepção clara de que a ocorrência de um fenómeno por explicar como o Eflúvio, requer um pensamento hipotético. Numa ficção desta ordem verificamos o seguinte: não são as questões de aprovação científica levantadas que necessitam de resposta, mas e sobretudo, o importante é dar resposta (disponibilizar o sujeito) à questão da essência do problemático e passar da interrogação: como pode o Eflúvio existir? Para: quais as implicações da existência de um fenómeno impróprio ao conhecimento quando essa interdição é a essência do enigma?
Prevê-se assim, encontrar a forma pela qual uma proposição científica fictícia venha a constituir um movimento genuíno em direcção ao fundamento de uma certa cientificidade.
Eflúvio Magnético
— de João Maria Gusmão e Pedro Paiva
A ZDB apresentou a segunda parte do projecto Eflúvio Magnético, que incluiu novos trabalhos da dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva em meios tão diversificados como fotografia, filmes em 16mm e instalação. No âmbito da exposição foi lançado o segundo número da revista O Eflúvio Magnético e programado o Ciclo de Cinema Efluviano, que proporcionou a possibilidade de rever clássicos referenciais da obra desta dupla.
João Maria Gusmão + Pedro Paiva
João Maria Gusmão (n. 1979, Lisboa) e Pedro Paiva (n. 1977, Lisboa) são formados em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa e expõem em conjunto desde 2001. Foram distinguidos com o Prémio EDP Novos Artistas, em 2004, e representaram Portugal na Bienal de Veneza de 2009, com a curadoria de Natxo Checa. Realizaram exposições individuais na Ikon Gallery, em Birmingham; no Mercer Union Centre for Contemporary Visual Art, em Toronto; no Kunstverein Hannover; no CCA Wattis Institute for Contemporary Arts, em São Francisco; no Museu de Arte Contemporâneo de Castilla y León, em Léon; no Museu do Chiado, em Lisboa; na Galeria Graça Brandão, em Lisboa; entre outras. Participaram ainda em diversas exposições colectivas, em Portugal e no estrangeiro, em que se destacam a 8ª Bienal de Gwangju, na Coreia do Sul; e a XXVII Bienal de São Paulo. As suas obras estão representadas nas colecções Tate Modern, MUDAM (Luxemburgo), MUSAC, GAM (Bergamo), Fundação de Serralves, Museu do Chiado, entre outras.