Retro é uma das palavras mais temidas pelos músicos. Pode não ameaçar as contas bancárias ou os índices de popularidade, mas nenhum gosta de a ver colada às (suas) canções. Cheira a naftalina, habita revistas pardas, parece coisa embalsamada. Na verdade retro tem outros sentidos, bem mais concretos: significa tão-somente falta de jeito, dificuldade em lidar com os cânones da música popular, não saber dançar com o passado. Resumindo, fazer homenagens que se repetem em loop. No caso do rock, a insinuação é frequentemente justa. Não faltam discípulos, seguidores, fiéis que papagueiam o que outros disseram com maior eloquência e confiança. A matéria-prima, já se sabe, carrega com o peso de uma história secular e de um público conservador, mas daí vem o seu fascínio. Como lhe acrescentar algum mistério sem soar diletante? Como despertar genuinamente o monstro para mais uma festa? Os Endless Boogie sabem como ou pelo menos descobriam uma forma de o fazer. O método é simples e assinala um dom raro: intensificar com a ferocidade e altivez as formas que marcaram a história do rock: acordes simples, temas longos, solos, batidas robustas e elegantes. Enfim, musica eriçada em torno do culto da guitarra. Admita-se, nesta descrição ressoam estereótipos pouco edificantes. Acontece que os Endless Boogie, liderados pelo xamã Paul Major e agora com a colaboração de fabuloso Matt Sweeney, são imunes a qualquer troça ou insinuação menos séria. Dignos artesãos do rock que adoram, com convicção, o que fazem. E isso liberta-os, e a quem os ouve, de qualquer nostalgia. E quem os ouve, apenas uma vez, já não consegue recuar ou escapar. A turba eléctrica torna-se irresistível, soprando aos ouvidos dos felizes incautos várias palavras: Stooges, Birthday Party, Spacemen 3, David Briggs, Free, Deep Purple, Coloured Balls e até Tom Waits. São fragmentos mas, aos poucos, vão-se colando para formar apenas um nome: Endless Boogie. A celebração começa então. Não há tempo de olhar para atrás. Vai ser assim esta noite. JM
