Potenciada pelos exponenciais avanços tecnológicos e a sua natural derivação em meios de comunicação cada vez mais amplos e ao mesmo tempo reclusos (um paradoxo apenas aparente), a noção de futuro na música electrónica tem vindo a ser cada vez mais difícil de situar num qualquer continuum evolutivo estreito. Como tal, tem sido cada vez mais pertinente assumir o presente como reflexo dessa mesma intangibilidade, por entre as memórias benignas dos sonhos de futuro das últimas décadas e a recontextualização difusa da actualidade. É nessa mesma realidade descontínua que se situa o trabalho de Fatima Al Qadiri, artista originária do Kuwait e actualmente a residir em Nova Iorque, que além de compor em nome próprio cria também mantras fractais assentes em loops de voz enquanto Ayshay. Descontínua, porque esbate distâncias temporais e espaciais, numa música onde uma infância na sua terra natal colada ao comando de uma Mega Drive se alinha com vivências cosmopolitas e o abandono virtual pós-Second Life, num mesmo plano. Como exemplo: ao sacar o título para o seu último EP – ‘Desert Strike’ – ao jogo com esse nome, Fatima reaviva as memórias da Guerra do Golfo por via de uma janela virtual, mesmo que a realidade estivesse paredes meias com a sua casa. Justapondo essas duas dimensões ao ponto de se tornarem uma mesma, também a música parte de coordenadas dispersas para as dotar de uma identidade una. Com o teor bélico de títulos como ‘Ghost Raid’ ou ‘War Games’ a espalhar toda uma aura de paranóia subliminar para que as batidas gélidas e melodias esqueléticas do Grime – não só a Eskibeat mas também clássicos da Ruff Sqwad como ‘Lethal Injection’ ou ‘Misty Cold’ – se casem com melodias vagamente exóticas e coros sintéticos. Apesar da carga conceptual, a música nunca resvala para a retórica vazia, antes apresentando uma forma plena de substância que esteve desde logo patente em ‘Genre-Specific Xperience’: nesse EP de estreia, havia já uma visão capaz de evocar a alienação da urbe em frente de um ecrã. Através de um manancial assente em batidas vagamente hip-hop em media res, melodias de steel drums trazidas do Médio Oriente e progressões da electrónica erigida depois do colapso bovino do dubstep, havendo quem se apressasse a fazer comparações a nomes como Rustie ou Ikonika. Por isso mesmo, não é de estranhar a sua entrada para os quadros da Fade to Mind. Casa mãe de projectos igualmente afectos à recontextualização das várias histórias da música urbana como Nguzunguzu, Girl Unit ou Kingdom – que remisturaram temas de ‘Genre-Specific Xperience’ em ‘GSX Remixes’. Com esta visão singular perfeitamente delineada, Fatima explora também toda esta imagética inerente em algo mais concreto através de vídeos onde alienação e hedonismo se confundem num fluxo de Computer-generated imagery, imagens manipuladas e pedaços disformes de realidade, além do seu próprio site oficial onde é reproduzido o ambiente de trabalho de um Mac. No fundo, um todo a ressoar os nossos tempos, com todas as incertezas, esperanças e medos que isso acarreta. BS
Fatima Al Qadiri ⟡ DJ Marfox
Fatima Al Qadiri
DJ Marfox
Patrão incontornável nas mais fascinantes explorações do kuduro, DJ Marfox é conhecido pelo ritmo frenético e incansável que deposita em cada actuação. Fez História através da compilação ‘DJ’s Di Guetto’, tornou-se mestre de cerimónia nas sempre concorridas Noites Príncipe e ainda assim parece existir todo um mundo de conquistas à espera dele. Um trilho só seu, felizmente longe de terminado. Em fevereiro passado estreou-se no catálogo da Enchufada com o EP ‘Subliminar’, ressonando internacionalmente junto de canais importantes como XLR8R ou Glory Beats. Prolífero e imprevisível, Marfox é um caso autêntico de ‘bota fogo’ instantâneo. NA