Filho da Mãe não perdeu tempo. Depois da estreia com “Palácio”, e em apenas um ano, arrebatou críticos e público com um disco novo e fabuloso. Suspeita-se que estaria formado algures no espirito de Rui Carvalho e se tenha tornado irreprimível, tal a energia e a gravidade com que se fez ouvir. “Cabeça” é o nome que abraça os doze temas, mas sente-se aqui a presença de um corpo com boca, braços, dedos, peito, pés. A música como um processo mental e físico, às beira da exaustão, abandonada, com prazer, ao barulho, ao ruído, ao volume. Sim, “Cabeça” é música violenta, é música rock (acústica). Há velocidade, distorção, crescendos. A guitarra na forma de um instrumental total. A caixa, as cordas, a madeira, a electricidade, a reverberação, nada fica de fora. E sem orquestra, apenas com um músico.
Se as composições de Norberto Lobo evocam um certo lirismo e uma tranquilidade (mesmo que aparente), se a guitarra de Tó Trips (dentro ou fora dos Dead Comb) inventa uma topografia musical, estranha e familiar, a música de Filho da Mãe vive numa indecisão constante, entra o tumulto e a quietude, o recato e a aventura, por vezes no interior da mesma composição. Usando uma personificação simples, podemos dizer que as suas canções são inquietas, inconformadas. Não se enovelam em redundâncias ou abstrações, mas apropriam-se de convenções, formatos reconhecíveis para exprimir a tensão da cidade, da vida dos subúrbios, da anomia urbana. Não têm letras escritas, mas estão cheias de histórias. Por isso, não cedem sedução de certos imaginários e lugares-comuns, por isso é inútil procurar em “Cabeça” referências, influências, sejam da folk americana ou inglesa ou da música portuguesa. Este disco não é um mosaico ou uma colagem, mas uma obra-mestra em que as guitarras confrontam o presente com a força e dignidade da música popular. Música dura e terna. JM