Quando em entrevista em 2011 Filipe Felizardo referiu um “fascínio por coisas pomposas, extáticas” e no dilema de “criar objectos musicais monumentais, mas que vivem de uma contenção e um trabalho minucioso” ficou desde logo no ar patente uma ambição de fé que viria a informar com toda a causa e substância um fascinante percurso à guitarra. Na altura a conversa recaía em torno do recém lançado ‘III = 207.8°, bII = ?56.3°’, segundo e último registo do músico lisboeta em torno do drone numa cartografia exploratória que o levaria no ano seguinte a encontrar nos Apalaches, no delta do Mississipi e no deserto do Dead Man do Neil Young ou The Hired Hand do Bruce Langhorne os pontos cardeais para ‘Guitar Soli for the Moa and the Frog’. Álbum que escancarou com toda a ferocidade e lirismo as premissas que viriam a ser continuamente trabalhadas por Felizardo daí em diante.
Tomando o tempo, a repetição e o silêncio como pilares fulcrais para o som, Felizardo enterra os pés nos blues – do Blind Willie Johnson ao Loren Connors, com a sombra tutelar do Fahey sempre em fundo – para daí erguer uma homenagem sentida aos fantasmas que abençoam a sua música, com citações/recriações a Peter Green, José Afonso e ao próprio Fahey em ‘Volume II – Sede e Morte – Guitar Variations for the Thirsty and the Dead’, antes de se atirar com uma pompa, honestidade e bravura pouco vistas por estes lados ao colossal ‘Volume IV – The Invading Past and Other Dissolutions’ – álbum duplo a encarar o infinito com a segurança dos grandes. Encontrando também em gente tão meritória como Margarida Garcia cúmplices para encontros mais ou menos ad hoc de comunicação simbiótica.
E é nesse mesmo continuum de exploração constante com vista a uma linguagem cada vez mais específica que Felizardo aparece agora em residência num espaço intimamente ligado a todo o seu trabalho. ‘A Conference of Stones and Previous Things – VI’ é o nome escolhido e sucinto para este work in progress ambicioso que precede o lançamento do novo álbum a solo – ‘Volume VI – The Sun Rises In Your Tummy & Other Christmas Illuminations’ – e onde irão ser reinterpretadas em formato banda as quatro composições deste último em quatro ocasiões diferentes, num processo de reordenação, aprendizagem, expansão e troca que é no fundo todo um acto de redescoberta pessoal.
Partindo de uma banda base formada pelo próprio e por Tiago Silva nas guitarras e por Gabriel Ferrandini na percussão denominada Filipe Felizardo & The Things Previous e com design de luz de António Júlio Duarte, Felizardo irá procurar com mais detalhe e num terreno que lhe é novo, todas as preocupações e referências que têm vindo a assombrar a sua música – blues, música tradicional japonesa e noise rock – abrindo espaço a mais colaboradores – prevendo-se desde já sopros e shruti boxes – naquela que é de acordo com ele e em última análise uma banda de rock, mas uma banda de rock bem diferente. E acima de tudo uma celebração de amor.