No rescaldo sonoro da primeira década do milénio, a diversidade foi uma chave mestra. Embora a época ainda mereça uma justa e devida análise, facto é que não se poderá objectivamente retirar ou traçar uma tendência mais evidente – pelo menos suficiente para disso se sobrepor às demais. Muitas forças criativas encontraram um trilho que o tornaram seu. Evoque-se a frescura estética do R&B, sublinhe-se a visão panorâmica da electrónica abstracta e um sentimento de nostalgia difusa; temos pois entre mãos as sementes que Matthew Barnes então encontrou para se distinguir desse mesmo período de liberdade e mestiçagem musical. Com Forest Swords lançou uma identidade que se assumiu promissora, contudo difícil de imaginar como iria crescer e aportar uma importância, actualmente, inquestionável.
‘Dagger Paths’ materializou, da melhor forma possível, a apresentação de Barnes. As atmosferas densas e esfíngicas, encontravam na robustez dos graves do dub um ritmo cardíaco cuja palpitação ecoava, bem nos confins da mente, até mesmo quando o disco terminava. Uma obra elegante e surreal que chegou a obter uma menção honrosa na saudosa Volcanic Tongue, a loja e publicação online que acarinhou, quase como ninguém, uma série estrondosa de projectos e artistas de um circuito genuinamente outsider. Contrastando com outros, que se cingiram a um fantástico submundo e, por sua vez, a um gradual ou súbito desaparecimento, Forest Swords extravasou fronteiras e desafiou novas audiências. De tal modo que teve uma merecida reedição, figurando em diversas tabelas de preferências em publicações bastião como a Fact, Uncut ou NME.
Já a segunda obra, ‘Engravings’, conferiu mais corpo e maior rasto de um cometa em chama branda. A sua dimensão emocional, e profundamente espiritual, surgiu como uma espécie de elegia digital dos tempos modernos. A narrativa em crescendo das imagens e sons nunca cederam afinal a um consumo imediato, senão a uma ligação próxima de quem dispõe um pouco de si e da sua entrega a este objecto exótico e intemporal. Para alguém que aterra no universo universo partindo da esfera da fotografia, a ponte entre uma e outra margem é inevitável. Pelo apelo cinematográfico da música que cria, não terá sido exactamente uma surpresa vê-lo como um dos responsáveis da banda sonora do filme ‘La Fête’ (ao lado de Robert Del Naja, dos Massive Attack, e Young Fathers) ou ainda de ‘In the Robot Skies’.
Mas se toda esta composição biográfica já seria digna de aplauso, Barnes volta a fintar expectativas com o último álbum ‘Compassion’. Um lugar imaginoso, ora lunar, ora oceânico, capaz de transportar várias e invulgares linguagens numa só. Desta vez, o recurso às vozes toma uma magnitude ímpar, como desses cantos e lamentos tudo nascesse – e tudo tocasse, em seu redor. Admirável equilíbrio esse de fermentar atmosferas e, em simultâneo, erigir canções estruturadas, consequentes e que tocam o Céu mantendo um pé no Inferno. Sagrado e profano, a liberdade aqui é eterna. NA