Personagem em permanente fluxo, Garcia da Selva é o enigmático heterónimo de Manuel Mesquita. Seja na música, no cinema ou nas artes performativas, a sua presença é quase ominipresente no panorama nacional, marcando posição onde realmente interessa estar, independentemente da área ou formato (na verdade, o mais provável é que já se tenham cruzado com ele, em certo momento, mas sem darem conta disso). Antes da sua actual carreira a solo, tocou ao lado de João e Norberto Lobo nos Norman, banda de cartografia sonora fascinante que ainda continua no segredo dos deuses. Na tela, podemos vê-lo em filmes de João Nicolau, Miguel Gomes ou Sandro Aguilar, enquanto contribui com frequência para diversas trilhas sonoras ou instalações artísticas. Em suma, uma obra desde logo multifacetada e pertinente, suficiente para o distinguir como um dos ‘genuínos’ dos nossos tempos.
‘Mineral Music’ foi é um dos objectos sonoros mais singulares numa lógica de memória recente. Editado na também nacional Urubu Tapes, não será surpresa ter nascido no âmbito de uma exposição, transmitindo uma plasticidade urbana que tanto se reconhece na new age como na garimpa de sons circundantes. Apresentado como the only transparent mineral tape ever produced, é, sem dúvidas maiores, uma porta aberta para os sentidos. Autor de viagens sci-fi em combustão lenta, delírios disco-muzzak ou lirismo kitsch apurado, Garcia da Selva faz contemplar, incute estranheza e diverte com uma subtileza eficaz.
Quanto a esta apresentação no Aquário, será realmente especial. Marca antes de mais o lançamento, em primeiríssima mão, de um muito aguardado novo disco. Radical Savage é mais uma peça no seu puzzle biográfico – e igualmente na produção musical deste ano feita por cá. Com dois longo temas, assina uma magnífica ode estelar, passando do barroco ao retro-futurista, não esquecendo ainda o tropicalismo pop ou o esplendor atmosférico de outros tempos. A familiaridade com que atravessa cada paisagem é, no mínimo, adorável. Um álbum com a capacidade de comunicar de um modo peculiar, como poucos. De resto, tem o carinho habitual das edições de autor no seu formato em vinil e conta com a distribuição em fita magnética da supra-citada Urubu (o cunho gráfico da edição em vinil é da responsabilidade da Oficina Arara, serigrafado a partir de uma pintura de Mafalda Santos). NA