Gizzle é um símbolo de uma nova América que luta para despontar sob Trump, uma nova América que procura um lugar numa realidade pós-digital, numa era em que os géneros se encontram no centro de novas discussões, em que se redefinem identidades, se escolhem novos posicionamentos.
Actualmente, Gizzle prepara a sua estreia como rapper na editora de Puff Daddy / P Diddy, a Bad Boy, mas na verdade a MC já conta com mais de uma década de experiência a aperfeiçoar a arte em estúdios, a trabalhar em canções sentada em sofás ao lado de grandes estrelas, a perceber como funciona agora uma indústria que aprendeu a conhecer desde pequena. Gizzle é mulher, negra, tem 28 anos, assumidamente gay, rapper, compositora, produtora. Gizzle, enfim, pode muito bem ser o futuro.
De South Central, LA, Glenda “Gizzle” Proby aprendeu a lidar com a diferença desde sempre, mas aprendeu igualmente a saber estar ao lado de verdadeiros “players” da indústria: uma das suas tias integrou um grupo criado por Snoop Dogg, Teddy Riley era visita lá de casa, o recreio da escola era campo de batalha com outros MCs em cifras onde quase nunca entravam meninas. Para Gizzle, esta era a sua normalidade.
Gizzle sempre soube que ia ser rapper, mas na confusão da indústria pós-Napster, ela soube igualmente que esperar seria a melhor estratégia e encontrou na escrita de material para outros artistas uma primeira saída para todas as ideias que fervilhavam na sua cabeça. Escreveu para Pharrell, Snoop Dogg, Chris Brown, escreveu para Nicki Minaj e Puff Daddy, claro, para Ty Dolla Sign… em 2015, um sinal de diferença: no vídeo de “You Could Be My Lover”, fantasia misógina em que Puff e Ty$ surgem no meio de um monte de mulheres bonitas num daqueles cenários MTV Cribs, uma figura franzina de dreadlocks concentra olhares por entrar igualmente no jogo de sedução das modelos presentes. Só que Gizzle é mulher: e vê-la assim, a distribuir jogo ao lado de dois verdadeiros pontas de lança como Puffy e $, é o equivalente a uma revolução.
Mais recentemente, Gizzle – cujo telefone não deve parar de tocar – ajudou Kanye West a escrever “Real Friends”, uma das peças centrais do aclamado The Life of Pablo, assinou canções para Travis Scott, para Iggy Azalea e T.I., para Kevin Gates e G-Eazy. Ser gay, que até aqui poderia ser um verdadeiro problema no conservador meio do hip hop, parece já não representar o mesmo obstáculo numa cultura que tem sabido encaixar carreiras como a de Frank Ocean ou Syd, do colectivo The Internet: “O que antes era suposto ser uma falha está agora a ser encarado como algo de positivo”, afirmou recentemente Gizzle à Pitchfork. Marcas da tal nova América: não é defeito, é mesmo feitio.
Apesar de se dar com a realeza hip hop – foi Meek Mill que a apresentou a Puff Daddy depois da rapper de LA ter escrito “Big Daddy” para Nicki Minaj – Gizzle está agora disposta a mostrar o que vale sem a rede do glamour, numa tour europeia de apresentação do seu talento, sem filtros, sem vídeos, sem tour buses que parecem naves espaciais. Só skills, uma identidade vincada, canções cheias de verdade e beats com sede de futuro. Deve chegar, quase de certeza. Mas podem confirmar por vocês mesmos… RMA