Existem vidas e obras cuja dimensão e impacto conhecem reverberações posteriores, por anos, décadas ou até séculos. Em cada área, artística e não só, haverão inúmeros exemplos. Longe de algum dia ver o nome numa hall of fame, John Fahey, não só marcou profundamente uma geração de outsiders, como deixou um legado que ainda hoje se mantém em chamas. Glenn Jones é muito provavelmente o maior dos seus seguidores, tendo tido a oportunidade de trabalhar lado a lado com o próprio Fahey. Ao longo de seis álbuns a solo (e uma mão cheia com a sua banda Cul De Sac), a abordagem à guitarra foi-se aprimorando, numa entrega tecnicamente irrepreensível, emocionalmente completa e oniricamente posicionada. Trata-se efectivamente de ‘música real’, concebida com tempo e imensa dedicação, aberta a factores externos, senhora de uma expressividade poética que descarta adereços digitais. Em certa medida, uma ode de combate aos tempo de consumo rápido entre os estrangeirismos diários de forward, zapping e mute.
Artesão sonoro, Jones combina o dedilhado e a afinação em tom aberto com um imaginário rico, essencialmente panteísta. Ressalta a elegância das composições, tal como a demanda de novas paisagens e técnicas – de resto, característica que o mantém ligado a uma esfera vanguardista. Facto é que tem procurado uma interpretação à guitarra e ao banjo o mais particular possível, experimentando afinações pouco convencionais e fazendo do instrumento uma extensão de si mesmo. O mais recente trabalho Fleeting, motivo da digressão que agora passa por Lisboa, narra o sempre infindável tópico do passado. Com ele, o modo inevitável como cada vivência, experiência e até locais podem ser transportados ao tempo presente e até ao futuro. Um olhar humano, obviamente universal, aplicado a seis cordas. Pelo álbum, e pelos títulos que o completam, pairam alusões à sua cidade natal, Spokane, ou às influentes figuras de Robbie Basho e Michael Chapman. Designações perfeitamente mutáveis à mercê de cada um de nós. Aliás, parece ser esse de facto o objecto de generosidade final de Jones: deixar-nos familiarizar e apropriar das criações que assina.
Cada faixa de Fleeting foi totalmente gravada numa casa algures nas planícies da região de New Jersey com a ajuda da amiga, e também artista, Meg Baird que supervisionou a produção do disco. Nesta noite, o frenesim do Bairro Alto, dos bares, do trânsito e dos transeuntes, será figuradamente suspenso enquanto as notas de Glenn Jones desfilarão, nobres e intrigantes, entre as quatro paredes do Aquário.