Porque promover a criação, a experimentação e a inovação nas artes performativas, passa naturalmente, por divulgar e fomentar o conhecimento de obras contemporâneas recentes, nos dias 13 e 14 de Maio, o NEGÓCIO acolhe uma sessão dupla constituída por solos dos coreógrafos portugueses Guilherme Garrido e Lígia Soares.
Uma conversa informal após as apresentações propõe pensar o modo como se organizam e constroem os discursos artísticos destes dois criadores.
GO JOHN
de Guilherme Garrido
“Interessa-me pesquisar a liberdade de estar em palco, tentar descobrir como traduzir performativamente o que sinto e como o sinto, como o partilhar e que efeito pode criar nos outros.
Acredito numa política de sentimentos, onde as minhas emoções e motivações são matéria-prima, são pontos de partida, caminhos percorridos e pontos de chegada.
Não procuro necessariamente uma dramaturgia linear, quero poder aplicar ao trabalho diferentes recursos e formas de expressão, brincar cronologicamente com o que se passou e se passa agora, criar espaços para que uma composição espontânea possa emergir e assim estabelecer relações directas com a realidade circundante. Com isto procuro liberdade, uma liberdade, “A” liberdade do “ser” e “estar”, comigo, com os outros, com aquilo que me rodeia e me espera, e com tudo aquilo que eu não esperava.
É sob um formato de “one man show’ que o trabalho se desenrola, é sob essa forma que abordo a questão da fragilidade das relações, da necessidade de cuidar das mesmas como se de uma planta se tratasse. Temos de a regar, pôr ao sol, falar com ela se queremos que esta se mantenha vigorosa. É necessário saber onde e quando se deve podar para que ela cresça no seu tempo e espaço.
Assim como uma relação se constrói a dois ou mais, também o processo de uma performance é alimentado por várias bocas e tem de ir beber a várias fontes.
Somos contadores de histórias por natureza. O Ser Humano sempre teve a necessidade de contar os seus feitos e defeitos, de exagerar e tornar melodramático o mais singelo dos gestos, de viver para contar e contar para existir.”
Guilherme Garrido
Apoios à criação: Residências no Edifício, O Espaço do Tempo, O Rumo do Fumo, Alkantara (PT), CAMPO (BE) e BUDA Kunsten Centrum (BE)
Tertúlia artística: Laura Lamas, Rita Natálio, António Pedro Lopes, Lígia Soares, Pieter Ampe, Hélder Sousa, Rita João Almiro e Ana Riscado.
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A PEÇA VERMELHA
de Lígia Soares
“Se eu quisesse fazer uma peça começava por anunciar que ia fazer uma peça, depois anunciava-me a mim como autora dessa peça. Não lhe dava logo nome e fazia-a de uma só vez, sem pensar. Porque pensar atrasa a compreensão das coisas profundas. A profundidade é silenciosa ou, por vezes, há música, mas principalmente silenciosa. Desgostosa porque não está ao de cima, como as outras coisas que vemos ao de cima. Não, a profundidade está sempre por baixo, atrás, sem tona. E também não se vê. Não sai, não se integra.
Por isso se quisesse eventualmente fazer uma peça profunda, não a mostrava, ou mesmo não a faria. Já que as peças para serem feitas têm de vir ao de cima, parar-nos às mãos. Ah…e serem vistas, têm de ser vistas, e quanto mais vistas mais vistas são. E quanto mais vistosas mais vistas serão. E quanto mais gostosas mais comidas então. Uma peça até pode ser profunda se for gostosa e logo depois comida. Senão estraga-se.
Então e o espectáculo? O espectáculo deve ser difícil à partida, mas só como um choque inicial, que acorde os músculos, que acorde a sensibilidade, que desperte a atenção, o olhar, que acorde o pensamento…
E depois?
Depois: A aproximação do belo homem à bela mulher ao som da Internacional.”
Lígia Soares
Produção Máquina Agradável Apoios à criação: O Espaço do Tempo, Centre National de la Danse (Paris)Colaboradores: Andresa Soares, Eduard Gabia, Emilian Gatsov, Guilherme Garrido e João Nicolau.A Máquina Agradável é uma estrutura financiada pela DGArtes/Ministério da Cultura