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Hiro Kone ⟡ Pedro Sousa

sex12.10.1822:00
Galeria Zé dos Bois


Hiro Kone
Pedro Sousa

Hiro Kone

Hiro Kone não fala a língua das máquinas, mas usa as máquinas, sobretudo sintetizadores modulares, como ferramentas de expressão. Em entrevista à Quietus, a artista norte-americana explicava que a sua aprendizagem no campo da síntese modular, impulsionada pela sua colaboração com o veterano Drew McDowall (Coil, Psychic TV), foi um processo equivalente a aprender uma nova linguagem: “Há a parte rudimentar, depois começas a ter alguma fluência e acabas por chegar a uma auto-expressão real e poética”.

E essa ideia é radical: a música electrónica experimental e abstracta como campo de expressão poética. Nicky Mao – verdadeiro nome de Hiro Kone – estreou-se na Bitterroots em 2011 com um ep homónimo a que se seguiram uma série de pequenas edições, marcos na estrada no tal processo de aprendizagem: a cassete Fallen Angels lançada na Geographic North e o ep The Unmoved Mover (dois trabalhos de 2014). Ambos os EPs resultaram de trabalho apoiado por Tim DeWit dos Gang Gang Dance, mas ao mesmo tempo, Mao já procurava desenvolver a sua linguagem na órbita imediata de Drew McDowall.

Foi a Geographic North que lançou, em 2017, o seu álbum de estreia: Love is The Capital, espantoso trabalho que encimou muitas listas de melhores registos do ano. Techno industrial com uma dimensão política – e certamente poética – registado no mesmo período em que, com McDowall, trabalhou em The Ghost of Georges Bataille, um álbum cujo título nasceu de sessões espíritas conduzidas por uma amiga sua, artista plástica, que consultava o fantasma de Bataille em busca de títulos para as suas obras.

Esse álbum só viu a luz do dia em 2018,o que transforma o presente ano no mais prolífico da sua carreira já que acaba também de lançar Pure Expenditure. Mais duro e propulsivo do que os meditativos trabalhos que assinou no passado, o facto do novo álbum conter uma mudança de rumo musical, de acordo com Mao, traduz a dupla condição, chinesa e americana, com que teve que lidar enquanto crescia: nasceu nos Estados Unidos, mas foi educada em Hong Kong. “Talvez por causa dessa condição”, explicou Hiro Kone recentemente à Noisey, “nunca me identifiquei com um único género ou grupo ou ideia, coisas que podem ser caldos de fundamentalismo. A capacidade de oscilar entre mundos é a fundação deste projecto, é para isso que ele existe, e essa ideia nunca se esgota”.

Trata-se, na verdade, de um exercício de algum brutalismo que pode ser entendido como um lamento pela violência consumista que o capitalismo nos impõe nos dias que correm, algo que também nasceu das suas leituras de Georges Bataille. Música para suportar revoluções, nem que sejam íntimas e espirituais. Não necessariamente para dançar, embora a música de Pure Expenditure não descarte essa possibilidade. E tudo isso, combater o vazio capitalista usando a música dos clubes de que Hiro Kone confessa sentir-se desligada, também tem o seu quê de poético. RMA

Pedro Sousa

Incansável force brute na fervilhante improvisação nacional, a realidade cruza-se quase com o delírio pela diversidade de projectos envolvido ou encarnações ao vivo. Com Gabriel Ferrandini provou fazer parte de um dos duos mais vulcânicos de que há memória. Música viva, envolta em chamas, digna de um credo jazzístico obrigatório. Embora seja essa a denominação mais ortodoxa da energia que lança, em estúdio e em palco, sente-se afinal que não poderão existir fronteiras a essa faísca. A prova, se necessária, deu-se com a participação em agrupamentos tão díspares – e tão alheios ao rótulo do jazz – como CAVEIRA, Canzana ou Pão, apenas para ilustrar com uma pequena facção. Da guitarra para o saxofone, Sousa tem vindo a encontrar-se com um sopro nobre, rumo à convulsão beatífica e à expressividade mais emocionalmente rude que se possa idealizar. Num todo, provoca uma miríade de impressões cuja indiferença ficará, sempre e necessariamente, de fora. Em cada actuação não se espera menos que uma exaltação energética digna de testemunho. É igualmente sinónimo de seguir, em tempo real, um portento em constante evolução. São raras, muito raras, as suas apresentações a solo. Na ZDB, casa onde por diversas ocasiões deixou rasto, regressa nessa condição onde a habitual inclusão no colectivo cede aqui lugar ao papel individual. Isto claro, com tudo aquilo que de novidade essa mudança possa apelar a cada um de nós. NA

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