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Holy Tongue ⟡ Gala Drop

qui21.03.2422:00
Galeria Zé dos Bois


Holy Tongue
Gala Drop ©Sara Graça

Holy Tongue

Duo entretanto transformado em trio, os Holy Tongue são mais um dos milagres a sair das mãos de Valentina Magaletti. Se nos últimos anos a multifacetada percussionista tem feito nome quer pelos trabalhos a solo, quer pelas inúmeras colaborações, o terreno com que calcorreia parece agora tão fértil como sempre foi. A linguagem da sua técnica junto com a visão de quem não vê horizontes, fazem de cada aventura, cada álbum ou cada atuação, pequenos excertos de uma história que se escreve neste preciso instante. Tomaga, Moin, Better Corners ou Vanishing Twin são parte das muitas encarnações de Magaletti – numa longa lista que ainda se encontra em elaboração. Na pele de Holy Tongue comanda a batida tribal, de inspiração dub e as intersecções possíveis com as coordenadas deixadas por alguma franja do pós-punk. Ao lado de Al Woolton (patrão de serviço na eletrónica e samples) e Susumu Mukai (nas cordas, e com Jah Wobble na alma), forma uma triangulação excelsa de talento e originalidade.

Existe tensão, respiro e anhanço bom nestes desígnios. As reverberações de uma Jamaica fumada em flirt com a maquinaria sónica recordam as maravilhosas incursões de boa gente como New Age Steppers, ESG ou African Head Charge. Porém, a matéria é ainda mais purosa nos Holy Tongue; direções sinuosas, vertiginosas por vezes, em que a crueza de cada elemento leva à promessa de um primitivismo futurista. Onde outros buscam ascensão, aqui o fogo é ateado a lume brando. Salpicam as chamas com xamanismos e simbologia sci-fi quando assim é necessário – e outros mundos e outras danças surgem.

Deliverance and Spiritual Warfare aterrou em 2023 como objecto bizarro e magnético, num dos encontros mais inspirados do ano. Chega após uma brilhante trilogia de EPs no passado, peças essenciais para o que viria aí. Um disco hipnótico como poucos no seu tempo, carregado de imaginação e invento. Escuta meio que obrigatória de uma banda (não lhes chamemos de projecto) que encontrou o espírito do caribe entre o betão da cidade. Ao vivo, o trio ganha músculo e a dinâmica criativa que se sente em disco salta naturalmente do palco. Para testemunhar. NA

Gala Drop

Formados em 2004 por Nélson Gomes e Tiago Miranda, os Gala Drop têm passado ao longo destas praticamente duas décadas por diversas mutações muito em consonância com a própria natureza continuamente mutável do seu som. Desses primeiros tempos, assentes de joelhos e olhos no chão perante uma armada de pedais, de onde erigiram longas sessões de espiritismo drone, mantém-se ainda hoje um sentido exploratório e uma aura alucinatória mas a música é marcadamente outra. Nesse ponto, é crucial a chegada em 2006 de Afonso Simões ao seio da banda, trazendo todo um pulsar rítmico que eleva a banda a todo um manancial de possibilidades por cartografar e a encontrar as coordenadas que desde então têm mapeado os seus instintos: o espaço e os ecos do dub, polirritmias de várias heranças do continente africano, as travessias cósmicas da kösmiche, o batimento da house e do techno originais e os reflexos da vivência em Lisboa. O álbum de estreia, homónimo e lançado em 2008, é ainda hoje um marco fundamental desse labor e fundação para os passos vindouros da banda.

Com a entrada de Guilherme Gonçalves para a guitarra e sintetizador, dá-se a gravação do EP Overcoat Heat (Golf Channel, 2010), onde são claramente revelados os impulsos mais dançáveis da banda, informados pelos sonhos das baleares e da disco. Após a saída de Tiago Miranda, a banda expande-se para a quinteto com a entrada de Rui Dâmaso para o baixo e Jerry the Cat para a voz e percussões, e é nesta forma que gravam Broda com Ben Chasny tcp Six Organs of Admittance. Disco lançado em 2012 que invoca o êxtase dos primeiros álbuns de Santana ou os momentos mais electrificados de Funkadelic. Com ligação umbilical a Detroit por via de Jerry the Cat, colaborador de Theo Parrish expatriado e a residir em Lisboa.

Dois anos volvidos e com essa formação solidificada, dá-se a edição de II, álbum onde surge pela primeira vez a voz de Jerry the Cat, e onde é aprumado todo esse universo de referências patenteado em temas progressivamente mais memoráveis e concisos. Com a banda entrar num périplo de concertos e passagens de Maria Reis e Guilherme Canhão pela guitarra, após a saída de Guilherme Gonçalves, dá-se uma longa espera de oito anos – mediados pela edição em cassete de Live at Boom pela Holuzam, contendo uma hora de música inédita – até à aparição do seu terceiro álbum de estúdio. Assente no núcleo duro formado por Nélson Gomes, Afonso Simões e Rui Dâmaso, após saída de Jerry the Cat, Amizade faz jus ao nome numa celebração com vista panorâmica mas nunca dispersa sobre a vasta cartografia que a banda tem explorado com singular intenção e jogo de cintura. Com o trabalho em trio a potenciar naturalmente um entendimento mais orgânico e sucinto das potencialidades do som Gala Drop, Amizade – gravado numa residência promovida pelo gnration em Braga – desdobra-se em sete malhas concisas, de labor minucioso mas nunca forçado, feitas de cascatas de sintetizador, linhas de baixo líquidas, muita percussão em linha ténue entre o orgânico e o electrónico, ecos, guitarras pausadas e um sentimento esfuziante que irradia.

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