Surpreendente. Assim se descreve a natureza de acompanhar o trabalho que a bracarense Inês Malheiro tem desenvolvido nestes tempos. Como um antídoto inconsciente para a velocidade do mundo lá fora, a sua música respira encantamento sónico, imerso nas micro-existências de uma electrónica rarefeita e aglutinadora de vários possíveis fragmentos, do rock ao jazz. Com um percurso intimamente ligado à dança, as suas composições transmitem um movimento incerto, de indagação e chamamento, dando formas ao espaço sonoro que imagina e deste modo recria.
A transversalidade da voz assume-se como ferramenta maior. Escorre como um rio numa paisagem rugosa, entre a sombra e a luz, buscando real ascensão; existe algo de bucólico e em que o silêncio toma importância vital – como parte activa do processo criativo. Alcança uma certa intimidade com o ouvinte através de onomatopeias, sons captados e canções profundamente alucinatórias. O som torna-se então corpóreo, junto à pele.
Liquify, spread and float resumiu muita desta matéria. Disco editado este verão na Carimbo Porta-Jazz, é uma pertinente e maravilhosa peça a surgir neste 2022, resultante de uma apresentação no Guimarães Jazz Fest. O estado quase-meditativo dos três temas aqui presentes traz um convite a alguma da música exploradora mais essencial a ser produzida por cá. deusa náusea é a próxima instalação na discografia de Malheiro que vem agora apresentar, pela primeira vez, este novo trabalho ao vivo. NA