ZDB

Música
Concertos

Jad Fair & Norman Blake

qua20.05.1522:00
Galeria Zé dos Bois


Mais do que um verdadeiro ícone, Jad Fair é uma galáxia em permanente expansão: seja através das centenas de canções lançadas em seu nome ou com o irmão David Fair, nos Half Japanese, ou por via de todo o artwork por si desenvolvido com perseverança e elevado cunho pessoal (as suas capas são totalmente identificáveis). Quem percorrer o mapa do underground americano esbarrará inevitavelmente na sua presença e – caso decida adoptá-la como guia – poderá traçar um novo roteiro por labels tão obscuras como reveladoras dos muitos segredos que há por desvendar na música de escassa fidelidade norte-americana. Através de métodos lo-fi e DIY por ele próprio apadrinhados, Jad Fair nunca deixou de perseguir o azar e novas metamorfoses nas colaborações mantidas com ilustres igualmente significantes (Daniel Johnston, Yo La Tengo, R. Stevie Moore). Consigo na ZDB terá um senhor escocês chamado Norman Blake que, nos BMX Bandits e depois nos soberanos Teenage Fanclub, teve uma influência semelhante sobre o indie rock deste lado do Atlântico durante boa parte da década de 90. A despretensiosa forma de estar dos Teenage Fanclub na canção é ainda hoje reconhecível no rock isento de discursos e programas ideológicos da Cafetra (assim como era na lendária Bee Keeper). Norman Blake é, além disso, uma daquelas figuras que explora tão categoricamente a fórmula pop como a fúria do shoegaze (versos bem expostos em A Catholic Education e Bandwagonesque, estrondosos primeiros discos dos Teenage Fanclub).

Mas voltemos a Jad Fair para lembrar que nem o facto de Michael Azerrad ter deixado de dedicar um capítulo aos Half Japanese, na bíblia indie que é Our Band Could Be Your Life, chega para diminuir a importância de um duo que merecia decerto essa inclusão. Na verdade, ½ Gentlemen / Not Beasts, o arrojadíssimo triplo álbum de estreia dos Half Japanese, não precisa sequer de aprovação para ser uma síntese improvável dos géneros mais sujos (desde o garage de pila assada à no-wave) e, ao mesmo tempo, uma nova tabuada lo-fi para uma escola que teve em Lou Barlow e Bill Callahan alguns dos seus mais brilhantes alunos. Além disso, o épico anti-épico dos Half Japanese conseguiu tudo isso sem nunca comprometer a noção muito punk de que quaisquer dois marmanjos poderiam conseguir um disco semelhante, caso houvesse neles o atrevimento de utilizar a voz, a guitarra e a bateria com um descabimento primitivo e sem nunca recear o patético.

Traçar um perfil de Jad Fair e Norman Blake dificilmente acontece também sem referência a algumas das canções que marcaram o percurso de ambos. Enquanto peça maior de Words of Wisdom and Hope, disco de 2002 que encontra Jad Fair ao lado dos Teenage Fanclub, “Crush on You” impressiona pela pedalada reminiscente de um Jonathan Richman a puxar pelos Modern Lovers, num qualquer single clássico da Beserkley. A mesma faixa poderia simplesmente durar horas sem que o aborrecimento alguma vez se intrometesse. Saber de antemão que os principais autores de “Crush on You” estarão na ZDB deve, para já, deixar em sentido qualquer pessoa que alguma vez gostou de indie rock, no seu sentido mais sincero e ligado a um tempo apaixonante pré-Nevermind.

O disco mais invocado da noite deverá contudo ser Yes, fresquíssimo longa-duração criado a meias por Jad Fair e Norman Blake para a Joyful Noise, label cheia de ideias que, em 2014, decidiu convidar o primeiro para uma residência que resultou em quatro novos álbuns (todos eles em colaboração). Yes é um disco altamente raro e atípico, que não destoaria ao lado dos muitos livros de motivação disponíveis no mercado, com a diferença de ser muito mais inteligente, divertido e genuíno. Não é decerto difícil rendermo-nos a uma lavagem cerebral que consiste essencialmente de canções optimistas prontas a vencer na categoria de “Música pop para sair da cama e encarar a vida alegremente” (o que por si é uma doce facada, por parte destas duas velhas raposas, na amargura que esperamos da maioria dos discos). Jad Fair e Norman estão evidentemente bem-dispostos e o que trazem à ZDB não deve ficar aquém de uma masterclass de canções simples, bem esgalhadas e tantas vezes capazes de mudar o dia para melhor. MA

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