Visionário absoluto desde que formou com Spencer Clark esse meta-ritual DIY que foram os Skaters, James Ferraro tem marcado de forma indelével a música e o pensamento livre neste século por via de uma complexa e idiossincrática rede de ligações metafísicas, sociológicas e filosóficas cuja descodificação está ainda longe de ser devidamente analisada e concluída.
Num plano mental, onde os templos Pura de Bali e os centros comerciais abandonados do Midwest são espaço de igual devoção, tem construído uma pan-cartografia imensa de onde emergem peças mestras em baixa fidelidade sob uma miríade de pseudónimos – Teotihuacan, Lamborghini Crystal, Pacific Rat Temple Band, Edward Flex, etc. – dispersas em CDR e cassete de misticismo Xerox na sua New Age Tapes.
Por alturas do celestial “Marble Surf” (2008) começa a assumir o seu nome próprio com mais incidência, abrindo os olhos ao CMYK para coisas como os vários volumes da “Summer Headrush Series” (2009) ou o glam rock enviesado de “Nightdolls With Hairspray” (2010) até chegar à hiper-realidade do continuamente fascinante “Far Side Virtual” (2011). Orquestra de ringtones a marcar uma passagem para o deslumbramento digital que se viria a transmutar em tangentes ao rap e ao r&b sob a forma de mixtapes e álbuns como “NYC Hell 300 AM” (2013) ou “Skid Row” (2015) e que ganhou novo fôlego de inspiração orquestral com “Human Story 3” lançado já no ano passado. Poema tonal que absorve o mundano para o dotar de toda uma dialética e simbolismo próprios, encontra no MIDI a humanidade panorâmica da Pixar por entre as cordas, flautas, pianos e vozes numa espécie de distopia muzak que se acerca da música contemporânea e que viria ser explorada de forma mais incisiva na intrigante peça para pianos de “Burning Prius”. Génio. BS