ZDB

Música
Concertos

Jards Macalé ⟡ Ricardo Dias Gomes

ter25.07.1722:00
Galeria Zé dos Bois


Jards Macalé

Nascido Jards Anet da Silva no bairro da Tijuca em ambiente familiar musical, Macalé é um dos verdadeiros heróis da música brasileira – e nem corremos qualquer risco de hipérbole ao escrever isto. Sem o reconhecimento generalizado de alguns dos seus contemporâneos, mas amplamente citado e reverenciado pelos mesmos e demais horda de apaixonados pelo impressionante legado cultural do Brasil, Jards Macalé tem deixado um rasto discreto e pausado mas de importância social e histórica fundamental para a compreensão do mesmo.

Eterno agitador em desalinho com quaisquer tendências ou cenas, demarca-se por uma consciência política e social constante, onde o seu discurso afiado se une a uma certa crueza sonora de acerto simbólico. Apesar de inicialmente alinhado com as ideologias do tropicalismo colaborando com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, viria a romper essa ligação por achar que este tinha perdido a sua autonomia perante a indústria musical. Longe da orquestrações oníricas e dos arranjos intrincados de alguns dos clássicos do movimento, o álbum de estreia homónimo de 1970 aponta desde logo para essa cisão, numa música igualmente voraz no modo como faz convergir linguagens – jazz, blues, bossa, samba – mas despida de artifícios, envolta na poeira da realidade circundante. Disco ousado e de uma urgência palpável, alvo de censura e de tiragem limitada, a traçar logo os passos vindouros.

Arredado do sucesso comercial, instituiu um culto fervoroso em seu redor, através de álbuns como ‘Aprender a Nadar’ ou ‘Contrastes’ onde aprofundou a sua essência fusionista sem perder o contacto com as problemáticas sociais do país, mas que se transformariam numa romaria pelo deserto ao longo das décadas de 80 e 90, por entre o limbo editorial e um esquecimento geral infundado. Desse período, destacam-se os seminais ‘4 Batutas e um Coringa’ onde interpretou temas de Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho ou Geraldo Pereira numa sentida homenagem à verdade dessas canções e ‘Let’s Play That’ gravado com Naná Vasconcelos. Pérolas raras que urgem redescoberta.

Mantendo ainda hoje uma saudável actividade, Macalé teve em ‘Amor, Ordem e Progresso’ de 2003 um surpreendente rasgo de luz continuado com ‘Real Grandeza’, ao mesmo tempo que canções suas como ‘Farinha do Desprezo’ ou ‘Negra Melodia’ ascendem a clássicos absolutos da canção brasileira. Contando também com canções oferecidas a divas como Maria Bethânia (Anjo Exterminado) ou Gal Costa (Vapor Barato), Macalé tem hoje um legado riquíssimo e de uma actualidade e pertinência inquestionáveis, à imagem da sua figura anarquista e continuamente contestatária para com a autoridade e a opressão. Exemplo de absoluta independência criativa que muito nos honra receber na ZDB. BS

Ricardo Dias Gomes

Boa parte da música vinda do Brasil ainda permanece por cá reclusa numa época passada ou de referências algo duvidosas. A dita música contemporânea que por lá se faz vai pingado, muito por via de canais não-oficiais. Chico Dub, autor das maravilhosas compilações Hy Brazil ou o colectivo 100% Foda/Maneiríssimo são algumas das pontes a esse ainda novo mundo que está acontecer do outro lado do Atlântico. Haverão certamente outras, seguramente merecedoras de maior exposição e de mais público, mas ficarão para outra ocasião. Ora em 2015 surge um disco que se enquadra perfeitamente nesse plano de maravilha exótica, revelando um nome que desde então tem vindo a prometer – e a cumprir – as promessas de novas coordenadas na música brasileira.

Ricardo Dias Gomes fez com -11 uma genuína ode à experimentação, sem descurar na arte da composição e se perder numa atitude meramente niilista. Conseguiu a proeza de soar delicado e arrojado, popular e erudito; no fundo, um álbum deste mundo – e especialmente fora dele. Mas a percurso artístico de Gomes, actualmente a residir em Lisboa, é tudo menos recente. O pai foi trompetista, o tio foi baterista de Hermeto Pascoal e o próprio Gomes desde cedo tratou de expor uma musicalidade física, onde as texturas e o ruído fossem ganhos maiores. Fazendo do baixo eléctrico o seu aliado, teve a sensatez e o bom gosto de se rodear com os melhores. E os melhores com ele. Caetano Veloso convidou-o para a sua banda Cê, numa altura em que também o mestre se questionava sobre novos rumos para a sua arte. Num cenário de descobertas e redescobertas, a música de -11 trazia não só uma abordagem brutalmente honesta do seu autor, como pairava uma quase missão de fundir (e confundir) categorias, referências e percepções.

Já este ano, edita um outro brilhante disco: Aa. Mais que revisão de matéria, há passos em frente com mais desafio, mais perigo e mais maravilha. É demasiado apetecível estabelecer paralelos entre este disco e a actualidade política do Brasil, mas efectivamente, de um modo ou outro, parece soar como reacção a este capítulo histórico. A música de Gomes esgravata na terra e mergulha na água em busca de ternura, tensão, sonho, fogo e paz. É um disco essencialmente solitário, embora com participações em estúdio de Moreno Veloso, Joana Queiroz, Vodka the Duck ou Arto Lindsay (como só poderia ser). Só peca por se escutar demasiado rápido, mas isso não quererá dizer que termine depressa. Na verdade, Aa parece nunca chegar realmente a terminar; Pre-Revolutionary State é o tema que encerra o alinhamento do álbum, todavia deixando as ideias, sensações e imagens até então oferecidas, simplesmente a pairar no ar – ali em stand-by, à beira da eternidade. Chamar este acto de belo será pouco, muito pouco. NA

Próximos Eventos

aceito
Ao utilizar este website está a concordar com a utilização de cookies de acordo com o nossa política de privacidade.