Se é verdade que o panorama folk por vezes ameaça um sobrepovoamento perigoso, também é facto que, por entre essa imensa população, sobressaem com frequência vozes capazes de surpreender. Surpreendem pelo encanto ou por uma invulgar familiaridade. Ora a folk, segundo Jessica Pratt, possui precisamente essas duas parcelas e em doses generosas. Ainda que a herança flower power espreite com o devido gracejo, existe a questão sempre curiosa da intemporalidade. De facto, o que temos entre mãos são canções e composições cronologicamente suspensas. Imageticamente vigorosas, não será difícil deixar a imaginação a trabalhar sobre a infinitude de imagens em movimento ou estáticas durante o processo de escuta de algo tão despojado e pessoal como a sua música.
Após uma década na obscuridade, tocando essencialmente em casa e explorando as potencialidades desse ambiente íntimo, o primeiro álbum chegaria apenas em 2012. Uma real passagem para a actual carreira que teve o dedo do amigo Tim Presley, dos White Fence, resgatando-a da sombra, através do lançamento do seu álbum de estreia. Com francos e diversos elogios na imprensa, o disco desde logo valeu elos a figuras históricas como Joni Mitchell, Sibylle Baier ou Karen Dalton, mas ligando-a também a contemporâneas como Angel Olsen, Josephine Foster ou Diane Cluck. Comparações honrosas e legítimas em muito justificadas pela magnitude da simplicidade que sobressai da sua abordagem. No caso de Pratt, nada é deixado de fora e até os eventuais acidente, durante a interpretação, são incluídos de forma natural, cravando um toque humano precioso. Por extensão, a captação rude que opta nas gravações acrescenta um manto de calor e de vulnerabilidade às palavras e aos sons, relevando, acima de tudo, a sua veia expressionista – talvez mais notória até do que enquanto na posição de autora de canções.
O mais recente On Your Own Love Again traz o carimbo de confiança da prestigiada Drag City. Na verdade não deixam de ser, por vezes, esboços esforçados de algo que poderia ser maior, mas parte da natureza de Pratt habita nesse exacto ponto de deixar os formatos em abertos, de ditar som ou silêncio de acordo com o momento. Tratam-se portanto de inspiradíssimas canções de bolso onde a melancolia anda de mão dada com o sonho e a fantasia. Confessional pelo tom, reserva todavia uma sensualidade amargurada pelas histórias que saltam de si. E são muitas.
Esta é uma estreia nacional que chega a Lisboa depois da actual tour com passagem pelos Estados Unidos e norte da Europa. Uma visita que seguramente fará prova da beleza arrebatadora já presente dos discos. Por isso, mas não só, um concerto honestamente obrigatório. NA