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Música
Concertos

John Maus

qua01.11.1722:00
Galeria Zé dos Bois


Anunciar a vinda de John Maus é um acto que se faz de sorriso na cara. Académico universitário, crooner primoroso e explorador absoluto da tragédia humana, é no hilariante que encontra equilíbrio para expor uma complexidade emocional que é, afinal, universal. Por outras palavras, é um dos autores pop cuja natureza agridoce lhe permite abordar temas intrincados e obscuros, sempre com uma objectividade neutralizante. O seu universo feérico, fatalista, mas igualmente urgente e celebratório, daria por si só uma alongada e fascinante tese.
Amigo íntimo de Ariel Pink e teclista de outros tempos nos Animal Collective, Maus é uma entidade única, rodeada pelos fantasmas de Ian Curtis, Karl Marx, Oscar Wilde ou Nicola Tesla. Todos e cada um deles alimenta a poesia perversa que nasce de uma visão curiosa e brava, atenta à sua realidade – e a que ela extravasa. ‘We Must Become the Pitiless Censors of Ourselves’ é um título que só poderia ser imaginado por Maus; nele, o melhor registo da sua linguagem, especificamente desenhada para ser saboreada num quarto escuro adornado de néons, bola de espelhos e um amontoado de livros de filosofia e uma colecção em VHS de qualidade duvidosa a um canto. Maus alimenta-nos a imaginação, atiça-nos o movimento corporal, e ousa ainda oferecer-nos a indignação (nunca esquecer o hino progressista ‘Right For Gays’).
Sendo um criativo apto em dar vida aos pensamentos mais tenebrosos, é desse extremo que logra alcançar, com análoga naturalidade, o exacto ponto oposto. É aí que escutamos as baladas inundadas de sintetizadores garridos, linhas quentes de baixo e programações simples em caixas de ritmo de baixa fidelidade, que lhe conferem essa ala neo-romântica que tanto atrai como desconcerta. Escuta-se ainda uma constante reverberação, seja nestes elementos, seja na própria voz de barítono de Maus, cujo efeito atribui um carácter estelar, em constante expansão, brilho e explosão. Intenso como a vida.
Porém, não existe outra forma de captar, na sua totalidade, esse vigor e exuberância senão em palco (ou fora dele, entre a audiência, como habitualmente se apresenta). É no epicentro do calor físico que a figura solitária de Maus se transforma de modo electrizante e apaixonante. Num espectáculo concebido ao seu génio, os concertos aproximam-se perigosamente bem de um momento de performance karaoke como nunca antes assistimos. O fervor dessa entrega é por vezes quase sobre-humano. A expressividade ímpar (exagerada ou não) de Maus faz valer tudo e dificilmente deixará alguém indiferente. Condena e salva quem o rodeia. Semeia sonhos e cultiva devaneios, ali mesmo, diante de nós, para que os levemos depois connosco. Que mais acrescentar? Talvez que é, com toda a certeza, uma das criaturas mais inspiradoras que visitará Lisboa nos próximos tempos. NA

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