Há vozes que se reconheceriam em qualquer lugar, em qualquer momento, em qualquer condição. E não serão tantas assim. Josephine Foster soa milagrosamente anacrónica, despertando a memória e a imaginação de quem a escuta. Bastaria isso para que meio mundo lhe fizesse uma vénia, mas teima em não se apresentar sem a presença da sua guitarra. Uma embala a outra – não se sabe quem exactamente, e é maravilhoso que assim seja. Essa indefinição de papéis, de linguagem e da tal localização temporal referida, convergem numa identidade e obra peculiares. Olhando para trás, já nos ofereceu um pouco de tudo: folk neo-romântica, blues de meia-noite, canções infantis, rock cósmico, inspirações líricas em Emily Dickinson ou até mesmo na lieder, estética poética alemã do século XIX (no inesquecível ‘A Wolf in Sheep’s Clothing’). A graciosidade com que pousa num ou noutro registo torna-a numa expressionista pura.
Numa época presente de songwritters em abundância, uns de passagem, outros de maior permanência, a já extensa obra de Foster é um porto seguro de deslumbre e paixão. Mesmo quando cada disco parece devidamente reconhecido, ressalta sempre um ou outro pormenor cuja ouvido, ou a cabeça, tratou de ofuscar nas primeiras incursões. Descobrir ou redescobrir a sua música são duas, aparentemente distintas, formas de fascínio. Com frequência carrega consigo contos e fábulas à luz ténue de uma vela e estende uma passadeira a viagens imaginárias só possíveis a quem tem esse dom de narradora irremediável. Replicá-la é uma tarefa impossível, e por esse motivo Josephine Foster é uma espécie de irmã afastada dessa pérola eterna chamada Karen Dalton.
Depois de um deslumbrante concerto no teatro Maria Matos, em apresentação de ‘No More Lamps in the Morning’, a possibilidade de voltar a encontrar num palco é um daqueles convites irrecusáveis, tamanha é a dimensão desta presença. NA