Aos vinte e oito anos, a canadiana Kara-Lis Coverdale é uma das compositoras actuais que mais atenção tem vindo a merecer nos últimos tempos. Um nome ainda relativamente discreto, todavia que detém um currículo impossível de ser desvalorizados. Elo essencial no sempre maravilhoso e vasto cenário musical de Montreal, não tardou muito para que o mago Tim Hecker a convidasse para o papel de colaboradora honorária em estúdio e no palco (de resto, o dedo de Coverdale aparece no brilhante álbum ‘Virgins’, de 2013). Com três belíssimos discos e uma série de bandas sonoras para peças de literatura, a sua linguagem artística é fundamentalmente encantatória, excitante e desafiadora. Não é frequente cruzarmo-nos com alguém capaz de interligar as sensibilidades estéticas de Steve Reich, Arvo Part, Brian Eno ou ainda Terry Riley, deixando espaço aberto à novidade e demarcando um cunho pessoal a todo esse processo. Há algo de imensamente profundo e tocante nesta obra em constante transmutação e florescimento. Algures entre a composição de origem clássica e a experimentação electrónica, encontramos o mundo de Kara-Lis.
Apesar da sua sólida formação musical, será errado observá-la na condição de académica. É com base nesses conhecimentos técnicos que materializa as suas obras, mas há que acrescentar a essa equação biográfica uma natureza multifacetada pela curiosidade, pelo imaginário e pela intuição enquanto pontos nascentes. A espiritualidade da sua música (e não há que recear o uso da expressão) é um elemento estrutural de discos como ‘A 480’ e ‘Aftertouches’ – as vozes, digitais e acústicas, dos instrumentos e dos retalhos utilizados em forma de samples e loops confluem num movimento somente ascendente. De braços entre estados como o profano e o sagrado, também a narrativa da sua vida espelha essa linha perfilar. Fora do laboratório mental em que fantasia e projecta cada ideia, a profissão de organista numa igreja confronta essa dualidade de existência profissional e certamente pessoal. No íntimo, confessa que é capaz de encontrar inspiração no rap de Drake ou 2 Chainz. Felizmente vale tudo nesta alquimia.
Num mundo onde a fronteira entre o virtual e a realidade se esbatem, a obra de Kara Lis assume-se como extensão desse paradigma, recordando contemporâneos como Oneohtrix Point Never, James Ferraro ou Laurel Halo. Explorando espaços como o Youtube na condição de uma espécie de cemitério de memórias e potencial ferramenta, é na esfera do lúdico que busca o divino. Foi assim que nasceu ‘Sirens’, disco colaborativo com David Sutton (aka LXV). Da colecção de sons recolhidos nesse meio, nasceram outros – devidamente processados e transformados.
Após presenças em festivais como o Mutek, Unsound ou ainda uma passagem auspiciosa pelo Barbican, é a vez da ZDB abrir as suas portas para a artista. Um encontro de imersão e plenitude numa das actuações mais imperativas deste 2016. NA