Se muitas das biografias se centram em redor da romântica história do persistente artista bater à porta da hermética editora, neste caso a própria pode gabar-se de uma dinâmica distinta. Enquanto estagiária na Ba Da Bing – esse ilustre selo que reúne pérolas como The Dead C, Julie Byrne ou Richard Youngs – recebeu um desafio criativo, para além das tarefas ditas profissionais que então desempenhava. Gravar alguma da sua música para posterior edição foi o mote, no entanto, o rastilho gerou bem mais que isso. O que poderia ter sido uma aventura isolada, com mais ou menos intenção, revelou todo o potencial que desde logo tinha. E esse potencial tem vindo a materializar-se em canções cada vez mais refinadas, ainda que sempre com uma benção punk a pairar por aqui e por ali. Bleaksploitation é um título espirituoso que trouxe ao rubro as experimentações de operar o melhor possível com poucos recursos e parcos conhecimentos técnicos de gravação. Nada que afectasse o teor lírico que surgia por entre guitarras cortadas, pianos fragmentários e composições inusitadas. A luminosidade nocturna presente nesses sete temas aporta uma natureza igualmente valiosa. Cinematográfico e passional, é um disco elaborado na primeira pessoa, mas nem por isso fechado em si. A partilha é real e bastará escutar a canção de abertura, “Baby Don’t Go”, para nos percebermos desse intuito.
Porém, Katie quis mais. A estética até então encontrada poderia ser sedutora, e até eficaz, mas ressaltou a vontade de aprofundar uma sensibilidade melódica. Foram necessários quase dois anos e uma cassete depois, para surgir o álbum oficial. Shitty Hits volta a confirmar o humor saudável de Katie, ao mesmo tempo que apresenta quase que uma nova pessoa. “Good-time songs you can have a bad night with, driving alone”. É a própria quem o afirma, e toma das palavras os feitos. Mais Primavera do que Inverno, mais ganga do que cabedal, o disco celebra um estado de isolamento pessoal onde a contemplação parece a única janela possível, quando tudo o resto se torna desinteressante. Demasiado seguro do ponto de vista emocional para ser visto como um álbum nostálgico, Shitty Hits, uma vez mais, parte do seu umbigo para a realidade que o rodeia. Não questiona, mas suscita curiosidade; não se envolve, mas certamente comunica; não ousa transformar, mas também não se conforma. Neste estado gracioso de “ser e não ser”, a voz de Katie lança-nos versos metafísicos e devolve-nos mais perguntas do que respostas. Uma espécie de ode à solidão, e aos pensamentos que a rodeia, sem fechar cortinas ao sol que espreita. Um livro aberto, ainda, e sempre, por escrever. Ou se preferirem, um concerto imperdível. NA