Ouvir Kim Gordon ao lado de Ikue Mori significa que o mistério e o assombro dos Sonic Youth não foi alucinação ou mentira. O encantamento impassível dos seus sons (e vozes) não se apagou. Apenas se fragmentou em aventuras e experiências individuais que um dia alguém irá, com certeza, mapear e historiar. Entretanto, não nos resta outra coisa senão seguir os rastos que a banda nova-iorquina vai deixando. Sim, porque para todos os efeitos, ela ainda não morreu. Os membros dos Sonic Youth foram sempre individualidades no sentido mais profundo da palavra: não se subsumiam a um grupo e os gostos comuns não se sobrepunham aos afectos e projectos individuais. Basta olhar para as biografias. Ranaldo tinha uma inclinação pelos anos 1960, Thurston pelo punk nova-iorquino, o pós-punk e o hardcore, Gordon pela música e a arte da Califórnia. E todos com excepção de Shelley, tinham um passado recente nas vanguardas musicais de Nova Iorque. A vontade de fazer música para além do contrato das grandes editoras foi sempre mais forte. E a colaboração de mais uma década entre Gordon e Mori atesta isso mesmo, num disco admirável (“SYR5”, de 2000, que conta com a colaboração de DJ Olive) e em diversas actuações ao vivo. A voz e a guitarra da baixista dos Sonic Youth parecem destacar-se – como todas as coisas reconhecíveis – mas são as vibrações, os gritos e as batidas que a antiga percussionista dos DNA arranca do laptop, que devolvem a Kim Gordon uma (hoje) rara liberdade para improvisar e fantasiar. A partir daí, tudo é possível com a evocação de um mundo de ecos e fantasmas. A No Wave, os Suicide, o free-jazz, o noise e até trepidação sónica do hip-hop sobre o asfalto. Uma Nova Iorque fora de tempo. Neste tempo. JM
