ZDB

Projecto Educativo
Cinema

Lançaram-se ao assalto do céu

— ciclo de cinema por Luciana Fina

qua14.06.2319:00
qui22.06.2319:00
qui22.06.2321:00
qua28.06.2319:00
qua28.06.2321:00
qua05.07.2319:00
Galeria Zé dos Bois


Il Festival del proletariato giovanile al Parco Lambro, Alberto Grifi
‘Io sono un autarchico’, Nanni Moretti, 1976
‘Io sono un autarchico’, Nanni Moretti, 1976
‘Io sono un autarchico’, Nanni Moretti, 1976
‘Alberto Grifi introduce Anna’
‘Anna’, Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
‘Anna’, Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
‘Anna’, Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
‘Anna’, Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
‘Anna’, Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
‘Anna’, Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
‘Dinni e la Normalina, ovvero la videopolizia psichiatrica contro i sedicenti nuclei di follìa militante’, Alberto Grifi, 1978
‘Dinni e la Normalina, ovvero la videopolizia psichiatrica contro i sedicenti nuclei di follìa militante’, Alberto Grifi, 1978
‘Il preteso corpo’, Alberto Grifi, 1977
‘Il preteso corpo’, Alberto Grifi, 1977
‘Festival del proletariato giovanile al Parco Lambro’, Alberto Grifi, 1976
- ‘Michele alla ricerca della felicità', Alberto Grifi, 1978
- ‘Michele alla ricerca della felicità', Alberto Grifi, 1978
‘Verifica Incerta’, Gianfranco Baruchello e Alberto Grifi,1964
‘Assalto al cielo’, Francesco Munzi, 2016
‘Assalto al cielo’, Francesco Munzi, 2016
‘Assalto al cielo’, Francesco Munzi, 2016
‘Assalto al cielo’, Francesco Munzi, 2016

Ciclo de cinema paralelo à exposição de Pablo Echaurren 'La Révolution R.S.V.P' patente até ao dia 9 de Setemebro de 2023

“Lançaram-se ao assalto do céu” é uma expressão que Marx usou num texto dedicado à Comuna de Paris, referindo o glorioso gesto do proletariado francês. Retomo aqui a expressão, inspirada também pelo título de um dos filmes deste programa, para introduzir uma incursão na dimensão mais criativa e agitadora das lutas políticas extremistas da Itália da década de 1970, as que perseguiam, entre o idealismo, o sonho e a desconstrução da linguagem, a ideia da revolução.

A exposição de Pablo Echaurren, a sua colaboração com Lotta Continua e, sobretudo, a ironia e a criatividade dos Indiani Metropolitani, com a hibridação de códigos, a deriva situacionista e a crítica da mercantilização da arte, proporcionam uma feliz oportunidade para intentar uma incursão nesses anos através do cinema underground e dos arquivos fílmicos que os documentaram.

Na década de 70, o movimento político de contestação foi fortemente actuante, aliava os jovens, os estudantes, os operários e os indesejáveis, numa luta apertada contra o poder do capital e dos sistemas coercitivos que encarceravam a vida, o trabalho, a linguagem, a expressão, a imaginação e também o futuro. O movimento, interclassista e destemido, irrompeu nas praças e nas ruas, nas fábricas, nas universidades e nas escolas, na família, nos media, na arte e na vida, com o vigor das ideias e da política, mas também do desejo e do sonho.

Estava em campo a alienação da fábrica, a migração operária para o norte do país, a “questão feminina”, a saúde mental e as instituições psiquiátricas, a habitação, as prisões, o antimilitarismo e a “objecção de consciência”, a história, a política, a família, a educação, a desconstrução da linguagem e a contracultura, o corpo e a sua expressão, o teatro e o cinema, as periferias, a cultura rural, a antropologia no terreno, a terceira página dos jornais e o panfleto, os livros e os diários, a arte e a poesia, a fantasia e o sexo, o céu… O assalto irrompia na sociedade inteira e atacava interseccionalmente os seus males e vícios. O sequestro e o assassinato de Aldo Moro, em 1978, assinalará o aperto da estratégia da tensão, das leis especiais e da violência policial, o princípio do fim de um movimento de militantes e sonhadores que, confrontando-se também com conflitos e contradições enormes, foi entre os mais actuantes do século XX italiano. A época ficará marcada pelos seus gestos, certo cinema permite-nos revisitá-los.

Não será o presente a esclarecer o passado ou o passado a esclarecer o presente, mas é a dialéctica entre o presente e o passado que nos permite olhar para o futuro. Dedicado prioritariamente a filmes da década de 70, ou à revisitação dos arquivos desses anos, o programa confia ao cinema a hipótese de abrir e reinterrogar a história.

Fulcral nesta perspectiva é uma figura incontornável do cinema underground italiano, Alberto Grifi, cineasta visionário, experimentador artesão, filho de um cameramen que o habituou a brincar com lentes, objectivas e rolos de película, filmmaker que soube, com ousadia e como poucos outros, transportar em si e transpor no seu cinema os anos 60 e 70, mantendo o seu enfoque na pesquisa artística e cinematográfica. Cinema experimental e directo, questionava a própria integridade dos seus gestos, provocando escândalo e culto. “Conduzidos pelo fluxo da película, administramos os gestos da realidade, reificando-a e mercantilizando-a”. No breve depoimento, Alberto Grifi introduce Anna, o cineasta partilha reflexões sobre a radical experiência da realização do filme Anna, primeiro filme italiano gravado em vídeo em 1972, 11 horas de videotapes transcritos para uma edição em película de 225min, em 1975, com um vidigrafo fabricado experimentalmente em casa. Não há cinema que consiga contar melhor o espírito e os gestos desses anos, actuando no interior do próprio movimento, desconstruindo também os códigos e o sistema da produção cinematográfica. De Grifi vamos poder ver também as célebres imagens filmadas no Festival del proletariato giovanile al Parco Lambro (1976), a histórica, festiva e conturbada última edição do Festival da Juventude Proletária organizado pela revista Re Nudo, juntando Lotta Continua e as diversas correntes extremistas do movimento. O festival, que contou com a presença de mais de quatrocentas mil pessoas, foram quatro dias de magnífica loucura, música livre e festa, concertos e assembleias, marcados também por problemas de ordem pública, com confrontos no seio do movimento.

No Focus dedicado a Grifi vamos ver outra curta-metragem por ele realizada nessa década, a ficção científica política Dinni e la Normalina, ovvero la videopolizia psichiatrica contro i sedicenti nuclei di follìa militante (1978), e o outro filme que foi encomendado e censurado pela RAI (televisão pública italiana), Michele alla ricerca della felicità (1978), narração crua, duramente essencial, da condição e da violência nas prisões. E, ainda, testemunhando as cumplicidades que Grifi foi estabelecendo no meio artístico, Verifica Incerta, um filme realizado em 1964 com o artista que foi mentor de Pablo Echaurran, Gianfranco Baruchello e um ready made de Grifi, um filme encontrado nas bancas de uma pequena feira em Senigallia, Il preteso corpo (1977), documentário hospitalar sobre a experimentação em doentes psiquiátricos.

Na primeira sessão do programa, Assalto al cielo (2016), de Francesco Munzi. É um realizador de outra geração, que viveu a década de 70 em criança, a dedicar-se hoje a uma tenaz pesquisa nos arquivos, orientado pelo desejo que as imagens e os seus protagonistas possam voltar a abrir uma janela sobre essa estação. O filme, inteiramente construído com imagens de arquivo, é fruto de uma longa investigação nos principais arquivos audiovisuais italianos, percorridos à procura dos materiais menos manipulados pelos comentários, preferivelmente filmados pelos mesmos cineastas que participavam no movimento. Devolve, inevitavelmente, um olhar pessoal, gerando também reacções controversas.

Encerrando, o primeiro incontornável filme de Nanni Moretti, Io sono un autarchico (1976), a primeira longa metragem narrativa em Super 8 da história do cinema italiano, découverte fracassante segundo a crítica francesa, desafio ao espectáculo do cinema lançado por um autor que fazia tudo sozinho. Michele Apicella, personagem fetiche de Nanni Moretti, cansado pelas relações, pelos rituais de comunicação que lhe esvaziam o sentido, em plena crise sentimental, é envolvido por um amigo num projecto teatral. “A sociedade assim como é, não propõe nada. Não há valores nem modelos de vida ainda credíveis. Eu decidi portanto criticar os que procuram. Dos outros, nem vale a pena ocuparmo-nos.” Moretti escolhia falar da esquerda com ironia, surpreendendo-nos com a sua paródia da militância, um amargo presságio do individualismo que se seguirá.

14 de Junho

19h

Assalto al cielo
Francesco Munzi, 2016
72min (leg. inglês)

Estreia fora de competição na 73ª edição do Festival de Cinema de Veneza e na Viennale.
“O desejo, principalmente, de voltar a abrir uma janela para essa época através dos documentos filmados na altura, para ver e ouvir directamente os protagonistas, recuperando imagens enterradas nos arquivos.” (F.M.)
Construído inteiramente a partir de imagens de arquivo, o filme conta a parábola das lutas políticas extremistas em Itália entre 1967 e 1977. Revelando a revolução como tensão ideal e o debate como método, a montagem de Munzi procede em três movimentos, como uma partitura musical, articulada entre memória pessoal, história, alimento para o pensamento. Dá-nos a ver muitos materiais inéditos do Movimento Operário e Democrático, Luce, Cineteca di Bologna, Fondazione Alberto Grifi para o festival no Parco Lambro e Rai Teche que enviou também os seus operadores.

22 de Junho

FOCUS ALBERTO GRIFI

19h
Alberto Grifi introduce Anna,
10min (leg. inglês)
As ideias e o desenvolvimento das situações que deram vida e forma ao filme pelas palavras de Alberto Grifi.

Anna,
Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
255min – primeira parte (leg. inglês)
“Há milhões de pessoas como Anna no mundo. Encontramo-las a cada passo e ninguém as vê.” (AG)

Anna está grávida e dorme na rua, Massimo Sarchielli oferece-lhe guarida e com Alberto Grifi começa a realizar o filme. Resultado de 11 horas de gravações em vídeo magnético, Anna foi dirigido por Alberto Grifi e Massimo Sarchielli nos primeiros dias de filmagem, antes de ser entregue aos actores e à equipa, na sequência de uma transformação imprevisível do guião, conseguida pelo electricista da equipa que entrou subitamente em cena para oferecer uma declaração de amor a Anna, renunciando colocá-la no centro da lente cinematográfica. Filmado em 1972, com um dos primeiros gravadores de vídeo portáteis de bobina aberta chegados a Itália, e transferido para película numa montagem de 4 horas graças a um vidigrafo – invenção do próprio Grifi –, o filme foi apresentado em 1975 nos festivais de Berlim e Veneza, e, em 1976, em Cannes.

21h
Anna,
Alberto Grifi e Massimo Sarchielli, 1975
255min – segunda parte (leg. inglês)

28 de Junho

FOCUS ALBERTO GRIFI

19h
Dinni e la Normalina, ovvero la videopolizia psichiatrica contro i sedicenti nuclei di follìa militante,
Alberto Grifi, 1978
27min (leg. inglês)
Uma jovem terrorista é perseguida pela polícia política no âmbito de uma operação especial que visa a normalização dos subversivos através da injecção de uma nova substância, a “Normalina”. Um raro exemplo de ficção científica política filmada com pouquíssimos meios. Dinni e la Normalina permite que a alma mais lúdica de Grifi veja a luz, sem dispersar a reflexão sombria sobre a repressão e exploração das instituições mediáticas.

Festival del proletariato giovanile al Parco Lambro,
Alberto Grifi, 1976
58′ (leg. inglês)
Milano, 26-30 giugno 1976. Ápice da contracultura juvenil italiana, o Parco Lambro surgiu suspenso entre o sonho revolucionário do Maio francês e o rude despertar dos anos de chumbo, do refluxo. O festival foi organizado pela revista de contracultura Re Nudo, com o apoio de grupos políticos parlamentares e extraparlamentares: Lotta Continua, IV Internazionale, Falce e Martello, Partito Radicale, a revista anarquista “A”, Umanità Nova e a revista Autonomia Operaia Rosso. Entre debates acalorados, problemas de organização, motins, houve também dias de grande música pop-rock, com a participação autofinanciada de músicos de editoras independentes. Simbolicamente, foi sobretudo o acto de encerramento da época de grandes contestações, anunciando o tempo do desencanto, aberto desde a crise de 1973, com a primeira maciça precarização do trabalho, a raiva e a impotência crescentes face a um sistema de poder inamovível.

21h
Verifica Incerta
Gianfranco Baruchello e Alberto Grifi,1964
30min
Um massacre cinematográfico de filmes famosos de Hollywood reeditados a pensar no Dadaísmo. Apresentado pela primeira vez em Paris, suscitou o entusiasmo de Marcel Duchamp, Man Ray, Max Ernst e o desprezo ostensivo de muitos celebres críticos de cinema italianos. John Cage, entusiasmado com a banda sonora, apresentou-a no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Este método de montagem, este “détournement”, foi herdado muitos anos mais tarde por “Blob”, o programa televisivo de Enrico Ghezzi.

Il preteso corpo
Alberto Grifi, 1977
19min (mudo)
Documentário hospitalar sobre a experimentação em doentes psiquiátricos de um medicamento que provocava uma “tempestade vascular”, com convulsões horríveis. Os pacientes recebiam alta quando eram capazes de fazer a saudação fascista.
Encontrado num pequeno mercado de Senigallia pelo realizador que o assinou como ready made.

Michele alla ricerca della felicità
Alberto Grifi, 1978
23 min (leg. inglês)
Tal como no caso de Dinni e la Normalina, Alberto Grifi foi também encarregado de realizar Michele alla ricerca della felicità pela Rai 2 (emissora pública italiana). O resultado foi o mesmo para os dois filmes, a censura total. A razão é fácil de compreender. Afastando-se do louco conto de ficção científica de Normalina, Grifi realiza a sua obra mais dolorosa e rara, sobre a violência carcerária. Aqui Grifi não recorre a ilusões de óptica, caleidoscópios, ou delírio psicadélico, a prisão em que Michele se encontra é encenada através de um estilo despido e essencial.

5 de Julho

19h
Io sono un autarchico
Nanni Moretti, 1976
95min (leg. inglês)
Primeira longa-metragem de Nanni Moretti, filmado em Super 8, com amigos, familiares e intelectuais, carregado de um humor furioso e desencantado, Io sono un autarchico é também um ensaio sobre os vários motivos que atravessarão as comédias do realizador. Com a criação de um alter ego (Michele Apicella), que leva o realizador a ser também actor dos seus filmes, o filme traz-nos as dificuldades de uma separação amorosa de um jovem de esquerda italiano, sustentado pelos pais, e da criação e imposição da sua visão artística no trabalho colectivo de uma companhia de teatro experimental, lidando, nervosa e politicamente, com as suas possibilidades de auto-suficiência económica, criativa, e sentimental.

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