Duas figuras bem matraqueadas no epicentro da sempre activa cena experimental e electro-acústica da cidade que nunca dorme, Lea Bertucci e Ben Vida emparelham em ‘Murmurations’ um entendimento vivido do som, confluindo as suas idiossincrasias num espaço e tempo comunal de cartografia oculta. Sem saírem propriamente de uma zona de conforto, que na verdade nunca existiu dada a bravura exploratória inerente às suas músicas, a efabulação de ‘Murmurations’ resulta de um processo natural de convergência entre a forma e a matéria que lhes reconhecemos isoladamente, em diálogo. Partindo da improvisação, para daí irem conjecturando com minúcia e onda, até chegarem a chegarem a uma dezena de temas breves, plenos de detalhe e poder imersivo, pairando sem nunca assentar arrais por entre a electro-acústica, a improvisação livre, música concreta e poesia sonora.
Na senda do seu percurso a solo, pontuado por discos tão hipnóticos quanto ‘Metal Aether’, ‘Resonant Field’ ou ‘A Visible Lenght of Life’, Bertucci recorre ao seu arsenal de sopros – clarinete baixo, saxofone, flauta – e à manipulação de fitas como sonda para os mistérios dos fenómenos acústicos e a sua ressonância com o espaço circundante, o reflexo aparentemente velado do som. Matéria etérea reconfigurada pelo experiente Ben Vida, artista com presença ubíqua desde os tempos da folk assombrada de Town & Country, passado por Bird Show e obra solitária em nome próprio via editoras como a PAN ou Shelter Press, que a acolhe no seu sampler e sintetizador modular para fazer dela tanto o centro da acção como presença periférica. Lamentos, texturas, timbres e murmúrios, oriundos também da voz processada de ambos – sem esconder a influência de Joan La Barbara ou Meredith Monk – que tanto assumem uma existência clandestina como são foco de atenção transparente, numa suspensão tensa mas de ondulação sempiterna. BS