Duo lendário de Providence, Rhode Island. Não é exagero. Atente-se nas últimas três décadas de assunto rock e poucas terão sido as bandas a causar tal abalo às fundações de um género que parece destinado a ser salvo de tempos a tempos – o que nem é verdade. Germinados por Brian Gibson (baixo) e Brian Chippendale (bateria) no seio da inspiradora Rhode Island School Of Design em 1994, calcorrearam o submundo norte-americano mais urgente e honesto durante anos, no circuito de bares suspeitos, casas, associações de estudantes, lofts comunitários, ruas e sítios mais ou menos improvisados que é afinal onde se propala a energia mais vital e actuante para que as coisas aconteçam, sempre fora do palco e em linhagem com ‘Our Band Could Be Your Life’ – tudo muito bem documentado no inspirador documentário ‘The Power of Salad’ – para atingirem uma semi-estrelato em 2003 com o clássico ‘Wonderful Rainbow’. Terceiro álbum da banda na Load, em sucessão a um disco homónimo bem lo-fi e o som patenteado em ‘Ride the Skies’, a causar o devido espanto e reverência em todo o lado. Justo.
A bateria frenética mas certeira de Chippendale e os riffs, texturas e melodias encharcadas em distorção do baixo de Chippendale, conduzidas por uma voz a ecoar cantinelas tão memoráveis quanto alucinatórias, numa música intempestiva com noção da tradição – e os Ruins poderiam até ser o antecedente mais óbvio – mas a desbravar terreno por entre as suas tropes. Em jeito de fórmula, sempre simplista, pode-se escrever com alguma timidez que articularam as vivências aparentemente inconciliáveis de três escolas de e para a vida: o hardcore de vistas largas da americana SST, o estrilho vertiginoso da japonesa PSF e a velocidade e o abandono dos primeiros anos da britânica Earache. E com isso criaram também eles escola. Influência para montes de bandas que descartaram a guitarra – e por vezes o baixo – para assumir o binómio do power duo. Tumulto que apesar da electricidade, adrenalina e alto volume nunca se assume como confrontacional, mas sim como acto de comunhão e extâse colectivo, algo bem patente no imaginário onírico dos seus títulos e capas – obra de Chippendale – e principalmente na recusa do palco como centro de acção, numa recusa ao status quo do rock. Gente como nós.
Passados dois anos e sem quaisquer concessões, ‘Hypermagic Mountain’ avança por territórios mais inóspitos enquanto cimenta o papel central da banda nas músicas que mais interessam, ao lado de nomes como Black Dice ou Sightings. Em 2008 chegam pela primeira vez a Portugal, num concerto programado pela ZDB no inusitado espaço reverberante do parque de estacionamento do Largo Camões, cuja memória assalta ainda hoje muitos (todos?) os presentes. Concerto mítico. ‘Earthly Delights’ e ‘Oblivion Hunter’ fecham a ligação da banda à Load, antes desta rumar em 2015 à imponente Thrill Jockey, prova de um estatuto já perfeitamente consolidado mas não conformado, reflectido na imperturbável pertinência dos seus mais recentes álbuns – ‘Fantasy Empire’ e ‘Sonic Citadel’ – que, se nos soam mais confortáveis, é também porque crescemos com eles. Um contínuo processo de depuração que torna a sua música mais instantâneamente trauteável mas não menos desafiante. Feras como ‘Runaway Train’ ou ‘Hüsker Don’t’ a ombrearem com ’13 Monsters’, ‘Dracula Mountain’ ou ‘2 Morro Morro Land’ no panteão dos clássicos. Imperdível. BS