Nesse universo em expansão de exploradoras pop, a última dezena de anos tem gerado um sólido e diversificado conjunto de astros. Alguns já mesmo indispensáveis à esfera maior de referênciais actuais. Pense-se na reconfiguração electrónica de Laurel Halo e Holly Herndon, no véu anímico de Grouper e Colleen, passando ainda pela dramaturgia sonora de Julia Holter e Kate Bush (uma veterana, mas igualmente omipresente em todo este jogo de alusões, demasiado até para ser omitida). Desde 2005 que a colombiana Lucrecia Dalt demonstrou os dotes certos para se alojar a esta constante e inesgotável fonte musical no feminino em que a experimentação se entrelaça com a manufactura de canções, atmosferas e efeitos sinestésicos.
Chegada à conceituada editora berlinense Human Ear Music, lançou dois dos seus mais celebrados álbuns, esmiuçando e adensando ainda mais o que já vinha a ebolir anos antes. ‘Commotus’ e ‘Syzgy’ formam deste modo as duas pontas de uma fasquia criativa a qual captou apreço à escala
global. Já passou pela conceituada Red Bull Academy e partilhou também palco (e ideias) com a supra citada Julia Holter. Entre as duas ressalta a minúcia dos detalhes esculpidos a dedo. No caso de Dalt, essa acção acarreta um valor essencial num trabalhado organicamente assente na génese de ambientes. Para tal, une o analógico ao digital sem qualquer pudor e longe, muito longe, do manter em cativeiro cada uma destes hemisférios. A essa constante relação umbilical, acotovela-se a languidez da voz, o oxigénio rarefeito que a boa colheita do trip hop eternalizou (e celebradas pelas recentes investidas de grupos como Young Echo ou How To Kill a Petty Bourgoise) assim como a abstracção da electrónica em estado sub-sónico. A sensação de letargia é um resultado inevitável e transversal pelo modo como apara cada disco. Talvez o exemplo mais flagrante tenha sido o processo de criação em redor de ‘Sizgy’, gravado durante as longas madrugadas em que se mantinha acordada por ser a única altura em que a estação de metro a escassos metro de sua casa a permitia ter a concentração desejada e o silêncio pretendido. É pois esse estado de percepção enturpecida, em que o real vale tanto quanto o imaginado, que se aguça o sentido da obra de Lucrecia Dalt. Uma noção de beleza sufocante, notívaga e pós-paranóica que irradia em diversas direcções na música da artista acrescentando veneno e bálsamo em igual dosagem.
Perante a fusão de sons encontrados e até acidentais na própria composição, as imagens sugeridas amontoam-se numa lógica de ‘cadáver esquisito’ para que nós possamos descobri-las faixa a faixa embora, felizmente, fique sempre algo por reconhecer. Inserida nas comemorações dos vinte anos da ZDB, esta estreia nacional reserva por certo uma ocasião de contacto intímo e o mais transparente possível com esta nova música de respiros, sussuros e cantigas de meia noite. Lucrecia Dalt chega à ZDB com ‘VETA’, novíssimo disco editado pela Other People, editora de Nicolas Jaar. NA
