Evocando justiça às palavras, dificilmente encontraremos uma figura tão enigmática no panorama nacional. Voz única, presença rara nos palcos e uma obra selecionada a dedo, apesar das já duas décadas de actividade. Numa época de velocidade de informação e perda de rasto de muitos artistas, Lula Pena parece situar-se num tempo e espaço realmente seus. A sua discografia é uma dádiva, composta por um trio brilhante de álbuns, dispersos pelos anos e pelas suas histórias de vida. Para a memória de muitos, fica uma assombrosa actuação no Festival Músicas do Mundo, em 2005; Lula, numa capela, rodeada de uma plateia apaixonada, e simultaneamente confusa, pela invulgar beleza daquela música – em suma, uma das melhores sensações que se pode ter num concerto.
A busca incessante por novos léxicos e novos lugares, fá-la afastar-se de qualquer tentativa de mapear com exactidão a sua obra. Existe uma certa portugalidade no que cria; pela abordagem ao universo do fado, cuja voz é o corpo, e as suas letras a alma de uma personagem real que todos reconhecemos. Mas talvez o maio trunfo seja o modo com que incluí várias sonoridades e várias personas numa só encarnação. Troubadour foi o segundo álbum, editado em 2010, e deixando para trás um silêncio de doze longos anos. Um disco que espelha a sua transversalidade, levando-nos uma geografia ampla onde se incluem traços da bossa nova, tango, mornas ou uma folk espectral como nunca tínhamos escutado por cá. Jacques Brel, Cesária Évora, Ry Cooder, Nico ou Amália Rodrigues são só e apenas possíveis alusões para melhor entender o calibre da artista que não reconhece géneros ou idiomas para a sua expressão, genuínamente global e intemporal.
O terceiro e mais recente disco Archivo Pittoresco voltou a criar magia. As cordas da sua guitarra revelaram-se cristalinas e rochosas, dignas de uma natureza poética inata. Uma vez mais, tudo soa estranhamente familiar e transgressor, algo conceptual, mas nunca hermético. Lula Pena consegue chegar a todos sem recorrer ao objecto previsível ou imediato. Conseguirá encher grandes salas e pequenas salas, público jovem e público menos jovem. O mito em redor desta artista é justificado e merece um acompanhamento (revestido de devoção) por todo e cada capítulo que tenha para nos oferecer. Indo de encontro a esta ideia, a ZDB irá proporcionar uma residência artística de três meses, propondo três apresentações ao longo da experiência. Serão momentos irrepetíveis, traduzindo o seu trabalho em tempo real, numa comunicação tão próxima quanto possível com o público. Sentimos que se trata de um pedaço de História. NA