Para lá de rótulos e de ideias feitas, a verdade na música de Mabe Fratti só se concretiza quando a estamos a ouvir. Acontece para lá das categorias, das palavras e das ideias feitas sobre o que cruzar a música experimental/avant-garde com a pop significa. Há quem diga que o futuro da música passa por aqui, não tem de ser assim – ou tão pesado -, a música de Fratti mexe, rompe, pela intensidade de existir. Visitou-nos há pouco tempo como parte do colectivo Amor Muere, outra referência nestes cruzamentos de géneros que nos fazem pensar no futuro. O facto de carregar tanta dessa energia a solo e, também, num colectivo, justifica que suspeitemos que há qualquer coisa a passar por si, a correr nas suas veias e a chegar-nos aos ouvidos, ao pelo.
A associação com Arthur Russell é fácil e escorreita. E não somos nós a fazê-la, falam disso noutros lados, é natural. Primeiro pelo violoncelo, instrumento de eleição; depois pela existência delicada das notas e de como elas se transformam inesperadamente e, por último, a vontade de experimentar para lá do óbvio, cruzando e recruzando ideias que estão para lá do conceito de géneros musicais. Aos três álbuns que editou até agora, “Pies Sobre La Terra” (2019), “Será Que Ahora Podemos Entendernos” (2021) e “Se Ve Desde Aquí” (2022), junta-se agora “Sentir Que No Sabes”, que virá apresentar em Lisboa, no B.Leza. O quarto longa-duração continua a rota de inspiração numa combinação exemplar entre experimental e contemporânea e uma voz entre a pop/soul que lembra Rosalía a subir a montanha de bicicleta com a mudança mais pesada: porque esta vida não pode ir só para a frente com motomamis.
A beleza de Mabe Fratti e deste “Sentir Que No Sabes” existe na vontade de não desacelerar, continua a inventar, inovar, e a seguir um caminho bravo em que não estaciona em fórmulas que seguem os tempos. Nisso, tem mostrado ser muito mais arrojada do que muitos contemporâneos, resistindo a modas, processos e deixando a experiência ocupar o lugar do imprevisível. Como dizíamos no início, o que acontece na sua música ouve-se, existe para lá da descrição: ouvi-la é coexistir com a surpresa, um rombo constante e inesperado. A beleza da música sem categorias forçadas, que permanece ingénua e curiosa, por mais experiência que ganhe. Abre portas sem querer, faz-nos sentir em segundos a mais bela luz como o absoluto terror. Os loucos anos 20 também são feitos disto, música que ainda não cabe nas prateleiras e que consegue elevar tudo o que toca. Incluindo nós. AS